1964 e 2016: tragédia e farsa dos golpes

1964 e 2016: tragédia e farsa dos golpes

Em 1964, a base de apoio do Presidente João Goulart, que era composta pelo PTB e PSD se fragilizou. O PSD se deslocou do centro para a direita, se aproximando da oposição conservadora e antinacionalista liderada pela UDN.

A Coligação PTB/PSD foi forjada por Getúlio Vargas, em 1950, e consolidada na eleição de 1955 com a chapa Juscelino e João Goulart, que representavam respectivamente o PSD e o PTB.

Na eleição seguinte, apesar da simpatia de Juscelino pelo nome do General Juraci Montenegro Magalhães, Ex-Governador da Bahia e Presidente Nacional da UDN, a aliança foi mantida com a indicação da cabeça da chapa pelo PSD do Marechal Nacionalista Henrique Teixeira Lott e da continuidade do nome de João Goulart como vice-presidente.

A proposição das reformas de base, fez com que amplos setores da classe média, da Igreja católica e do empresariado se mobilizassem na famosa “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” que mobilizou 500 mil pessoas em São Paulo, contra a republica sindicalista, a corrupção e o comunismo.

A agitação dos subalternos das forças armadas e a política nacionalista do governo Jango, provocou adesão dos militares e do governo americano a favor do golpe.

O golpe também foi parlamentar, pois, na madrugada de 02 de abril, o presidente do Congresso Nacional, senador Auro Moura de Andrade decretou vaga a Presidência da República sobre alegação de que o presidente João Goulart (sabidamente no Rio Grande Sul) tinha abandonado o Brasil sem autorização do Congresso Nacional; o verdadeiro motivo para a deposição, entretanto, eram a crise econômica, a política nacionalista e as reformas de base.

Moura de Andrade, em conluio com os setores civis do golpe, que temiam que a linha dura eliminasse fisicamente o presidente Goulart, despachou o general de divisão Assis Brasil, chefe do Gabinete Militar para o Rio Grande do Sul, para escoltar o presidente deposto até Uruguai. No seu retorno, Assis Brasil foi preso e expulso do Exército Brasileiro.

O STF e o congresso nacional legitimaram o golpe, pois o Senador Moura de Andrade, após a decretação da vacância da presidência, seguiu todos os ritos previstos na Constituição Federal de 1946. Deu posse ao presidente da Câmara dos deputados Ranieri Mazzili e em 30 dias realizou a eleição indireta como estava previsto na Constituição. Nela, foi eleito o Marechal Humberto de Castelo Branco, tendo como vice o deputado do PSD José Maria Alkmim, partido de sustentação do governo Goulart. A bancada do PSD, seguindo a orientação de Juscelino, votou em peso na chapa, com exceção do deputado Tancredo Neves, que na madrugada de 02 de abril já tinha protestado contra a deposição – com dedo em riste gritou “canalha, canalha” quando Auro Moura Andrade decretou a vacância da Presidência da República.

A maioria dos deputados do PSD que votaram em Castelo Branco foram cassados e/ou presos, inclusive Juscelino. É importante destacar que todos os ritos e formalidades constitucionais foram seguidos à risca mas, mesmo assim, o que ocorreu em 1964 foi um golpe civil, militar e do capital financeiro.

Em 2016, ocorreu o mesmo enredo com atores diferentes, com motivação similar: esgarçamento da base aliada, crise econômica e esgotamento do modelo nacional, reformista e desenvolvimentista. Os ritos e as formalidades democráticas e constitucionais foram seguidos, porem alegação do impedimento foi baseada em uma falsa alegação de crime de responsabilidade para afastar a presidente eleita Dilma Rousseff.

Logo, o que ocorreu no Brasil no dia 31 de agosto apesar das aparências de legalidade, foi um golpe que não teve nada de original, e sim a repetição de uma tragédia em forma de farsa.

 

Ubiratan Félix

Professor do IFBA

Fechar Menu