ARTIGO I Novo Marco Legal do Saneamento Básico e Covid-19: um debate necessário

ARTIGO I Novo Marco Legal do Saneamento Básico e Covid-19: um debate necessário

Por Jonatas Sodré*

É inegável que os avanços em saneamento básico impactam positivamente na vida das pessoas. Em tempos da pandemia que se vive hoje no mundo, a principal forma de prevenção ao vírus é a higienização do corpo e, principalmente, das mãos utilizando água e sabão. Assim, emergiu um grande debate em todo o território nacional sobre o direito ao saneamento básico.

O ato de lavar as mãos deveria ser acessível a todos os brasileiros. Contudo, mesmo diante dos avanços obtidos nos últimos quinze anos, se verifica, ainda, que o Brasil possui cerca de 30 milhões de pessoas sem acesso à água potável, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS) em 2018.

O SNIS ainda afirma que esse déficit não é igualitário em todo o território nacional. As regiões Norte e Nordeste concentram os piores índices, sendo que a primeira apresenta a situação mais crítica, com apenas 57% da população abastecida com água tratada. Tal situação reflete o grande desafio posto para a universalização dos serviços de saneamento básico no Brasil.

Em 2007 foi aprovado o marco legal do saneamento básico, a Lei 11.445, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Dos princípios que a Lei traz podem ser destacados a universalidade, integralidade, o controle social e o uso de tecnologias apropriadas. É nessa legislação, também, que se inaugura a fase do planejamento em saneamento básico, instrumento fundamental para atender aos princípios previstos na lei. Desse modo, em 2013 foi elaborado o Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB, no qual continham programas a nível estruturais e estruturantes tanto para as áreas urbanas e, em especial, para as áreas rurais.

O ciclo de uma política pública é simples: elabora, implementa, avalia. Reelabora, reimplementa e reavalia. Não obstante, sete anos se passaram após a elaboração do Plansab e treze após a promulgação da Lei. Segundo o Plano, eram necessários cerca de 20 bilhões de reais anuais para que os serviços públicos de saneamento básico fossem universalizados até 2033. Contudo, em 2020, o que se vê é que pouco do planejamento feito saiu, efetivamente, do papel. E, antes que a grande parte das ações fossem implementadas a nível nacional e, se verificasse a efetividade dessas (avaliação), se discutem no Congresso Nacional mudanças no marco legal do saneamento básico (reelaboração), fugindo do ciclo natural da avaliação de uma política pública.

Diante do cenário de pandemia do novo coronavírus e a importância do saneamento básico para a prevenção da doença, essa temática ganha os holofotes do debate. É razoável que emerja o debate sobre os investimentos em saneamento básico, para que seja diminuído o déficit no setor. Porém, há de se convir que já existem instrumentos legais suficientes para o setor (lei, decreto regulamentador e Plano Nacional) e, nesse sentido, o que falta é implementação do plano e da política.

Perante a situação fiscal Brasileira (Emenda do teto de gastos), os investimentos previstos pelo Plansab não poderão ser dispostos pelo poder público atual, assim, de fato, é necessário que haja um esforço do poder público e da inciativa privada para que os investimentos em Saneamento Básico aconteçam, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo Plansab.

Entretanto, nas discussões sobre o novo marco legal do saneamento básico é evidenciado um debate bastante forte nas componentes de abastecimento de água e esgotamento sanitário (objeto de atuação das companhias estaduais de saneamento básico – CESBs), sendo deixado de lado, ou pelo menos não dando o mesmo foco, nas componentes de coleta e manejo de resíduos sólidos e drenagem das águas pluviais. Cabe aqui ressaltar que, das quatro componentes do saneamento básico, o abastecimento de água e o esgotamento sanitário são controlados por tarifas (normalmente pagas às prestadoras do serviço), já a coleta de resíduos sólidos são serviços subsidiados por recursos municipais (muitas vezes pago à empresas privadas) e os serviços de drenagem, em sua grande maioria dos municípios, são prestados diretamente pelo município. Em ambos os casos, as duas últimas componentes não têm arrecadação, via de regra.

De qualquer forma, o déficit em saneamento básico no Brasil tem endereço. Ele se concentra nas regiões mais pobres, nas zonas rurais e nas periferias dos grandes centros urbanos. E não é um déficit apenas de abastecimento de água ou esgotamento sanitário. É um déficit de saneamento básico – no conceito amplo. Assim se o objetivo é ampliar o acesso aos serviços de saneamento básico, não faz sentido debater mudanças no marco legal, sem focar na integralidade das ações. Não adianta levar água potável para as famílias, se não for garantido o acesso ao esgotamento sanitário, à coleta de resíduos e, principalmente, à drenagem das águas pluviais. Afinal de contas, essas componentes se complementam e a ausência de qualquer uma delas, compromete o funcionamento da outra.

Então, o debate sobre o saneamento básico não pode, sob nenhuma hipótese, ser desligado dos seus princípios fundamentais. Afinal de contas, princípios não são discutidos, princípios devem ser cumpridos. Não haverá universalidade, sem integração entre as componentes, sem controle social e tampouco sem a adoção de tecnologias apropriadas a cada realidade.

Se o objetivo é vencer a pandemia do novo coronavírus e sanar o déficit em saneamento básico no Brasil, o primeiro passo é enxergar o problema com a responsabilidade e a complexidade que ele possui.

Jonatas Sodré é Engenheiro Sanitarista e Ambiental e Mestre em Meio Ambiente, Águas e Saneamento (UFBA), conselheiro do CREA-BA e filiado ao Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA)

Foto: Facebook/Reprodução

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