CORRENTINA OU COCHABAMBA?

CORRENTINA OU COCHABAMBA?

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Última manifestação pela Água em Correntina (Foto: Thomas Bauer-CPT/BA)

Não é novidade que o papel do agronegócio brasileiro tem sido dos mais nefastos para a população do campo e da cidade. O esgotamento das terras, o uso indiscriminado de agrotóxicos, o avanço feroz sobre as nossas florestas, o assassinato de trabalhadores e trabalhadoras camponeses/as são umas das marcas desse modelo que se baseia no latifúndio monocultor para a agroexportação.

Ao aprofundarmos nosso olhar para essa fotografia do nosso campo, percebemos que a disputa pelas águas (chamada pelos capitalistas de recursos hídricos) é agora o mote central para a sua perpetuação. O que chamamos anteriormente de “Agronegócio” pode muito bem ser chamado de “Agrohidronegócio”, que expressa, de forma clínica essas relações de água-mercadoria-poder que vêm sendo cada vez mais acirradas.

O Oeste Baiano é, então, a menina dos olhos das grandes empresas agrícolas mundiais. Ocupada hoje principalmente por empresas japonesas, desde a década de 1970, toda a região vem sendo mapeada e explorada pelo agronegócio. A região, caracterizada pela vegetação de cerrado, solos férteis, relevo plano e grande quantidade de nascentes, rios e lençóis freáticos, além do baixo índice de urbanização, vem sendo sistematicamente vendida a preços módicos para o capital internacional plantar comodities e fazer uso de transgenia, veneno e pivô central.

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Vista aérea da fazenda Rio Claro, da IGARASHI (fonte: divulgação)

É em meio a essa conjuntura que o povo da cidade de Correntina se rebela e ocupa duas fazendas, no dia 2 de novembro, a fim de denunciarem as ações da empresa Igarashi, que, com autorização e outorga do órgão ambiental INEMA (Instituto Estadual do Meio Ambiente) vem retirando 182.203m³/dia, do Rio Arrojado (afluente do Rio Corrente) quantidade que, segundo o Movimento dos/as Atingidos/as por Barragens é 100 vezes maior que a utilizada pela população da sede do município. A luta não parou aí, e, apesar da grande criminalização, a população se mobilizou e no dia 11 de novembro, foi construído um grande ato, que levou milhares de populares às ruas. Mais especificamente, 12 mil pessoas, 1/3 da população do município, que segue em luta.

A luta pela água marca a história do povo baiano, o controle realizado pelo coronelismo no nosso estado sempre teve o discurso da escassez como suporte à manutenção da exploração e do cabresto. Foi através da chamada “indústria da seca” que os “donos do poder” se alastraram no sertão, ganharam armas e formas de controle, ganharam votos e terras. Fecharam cacimbas, destruíram cisternas, transpuseram rios, secaram nascentes. Foi por meio da miséria do povo e benesses aos grandes, que o determinismo geográfico foi imposto como única realidade, quando, por trás disso, a negação às políticas públicas de convivência com semiárido, a explotação indevida e a mercantilização das águas é que sempre foram os grandes vilões.

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“Força Tarefa” da Polícia que vem investigando os últimos atos ocorridos em defesa da água em Correntina tem usado de violência e pressão psicológica para pressionar famílias atingidas

Ver milhares nas ruas de Correntina, é uma chama que reacende as esperanças por uma sociedade em que nem a natureza nem as pessoas sejam mercadorias. Comparo Correntina à Cochabamba, talvez, menos por coincidências e mais por desejo, de que essa fagulha que se acendeu traga ao povo uma nova realidade. Mas, também, por colocarem em pauta a disputa do público contra o privado, dos interesses do povo contra os desmandos do capital.

A “Guerra da Água” de Cochabamba (BOL), ocorrida nos anos 2000, quando a população cochabambina derrotou a privatização da empresa responsável pelo abastecimento de água (SEMAPA), levou à polarização de dois grupos sociais: aqueles que vislumbram a água como fonte de riqueza e aqueles que acreditam que o acesso à água é um direito de todos, um bem comum. Essa luta gerou frutos, fez o povo se levantar e construir novas bases democráticas na Bolívia, um governo indígena e de participação popular, que foi uma grande revolução.

Inspiradas/os pela/os guerreiras/os da água, que frearam o progresso neoliberal na Bolívia e iniciaram um novo capítulo da sua história, seguimos adiante, campo e cidade, aliados e com nossas bandeiras em punho e gritos de ordem “ÁGUA E ENERGIA NÃO SÃO MERCADORIAS!”.

VIVA CORRENTINA, A COCHABAMBA BAIANA!

Por Júlia Garcia (Militante da Consulta Popular da Bahia e da Marcha Mundial das Mulheres, doutora em Geografia da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradora da TELESUR no Brasil.)

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