Golpe de 01 de abril de 64

Golpe de 01 de abril de 64

A ascensão de Getúlio Vargas, através da revolução de 1930, fez com que o Brasil finalmente entrasse no século XX – com trinta anos de atraso. Na República Velha, o Brasil era uma imensa fazenda onde a escravidão fora substituída por relações de exploração de mão de obra mais “sofisticada”: o trabalhador alugado, a parceria, a meia etc.

No Governo Central, as oligarquias dominantes de São Paulo e Minas Gerais se revezavam por meio da velha política do café com leite e as oligarquias agrárias se alternavam na condução da política estadual. A questão social era caso de polícia e o Estado como regulador das relações socioeconômica era quase inexistente. Seu lado mais presente era a repressão aos movimentos populares e de contestação ao regime vigente.

A crise econômica mundial simbolizada pela quebra da bolsa de Nova York, nos Estados Unidos, provocou um colapso na economia agrária exportadora brasileira. A consequência foi a perda de legitimidade do regime e o aumento da insatisfação dos setores médios, assim como a incipiente burguesia industrial, em relação ao modelo político e socioeconômico existente.

Vargas, junto com a coligação de forças políticas vitoriosas na revolução de 1930, tinha como projeto a industrialização, o incentivo à criação de um mercado interno e a construção de um Estado regulador e intervencionista nas relações socioeconômicas. Além disso, a criação das empresas PETROBRAS, ELETROBRAS, Vale do Rio Doce, CHESF e DASP, a instituição dos concursos públicos e das carreiras de Estado, a Consolidação das Leis Trabalhistas, a organização do movimento sindical corporativo, a centralização econômica e a política no poder central foram aspectos dominantes da Política Populista.

Esse modelo sempre foi questionado pelos liberais e militares ligados aos Estados Unidos, que tentaram – através da participação eleitoral em 1945, 50, 55 e 60 ou através de tentativas de golpes e motins como em 1954, 56 e 64 – derrotar o projeto nacional desenvolvimentista.

Em 1960, Jânio da Silva Quadros, um populista conservador e moralista famoso pela proibição de biquínis nas praias do Rio de Janeiro e das brigas de galo, foi eleito como presidente do Brasil. Finalmente, a UDN e os militares tinham chegado ao poder central através das urnas. A questão era que o candidato vencedor não era quadro orgânico dessa coligação política, mas tinha a sua própria plataforma – cujo traço marcante era o desprezo pelas agremiações partidárias e a tendência de falar diretamente ao povo sem intermediários.

A frustração dos dirigentes da UDN com Jânio Quadros levou à crise institucional que fez com que o presidente eleito, em um gesto rompante, renunciasse ao cargo em 25 de agosto de 1960. A renúncia de Jânio propiciou a volta do populismo Getulista através de João Goulart. Os militares vetaram a posse, mas a rede da legalidade liderada por Leonel Brizola e o apoio dos militares nacionalistas garantiram a ascensão de Jango através do parlamentarismo.

Em 1964, a base de apoio do presidente João Goulart, que era composta pelo PTB e PSD, se fragilizou. O PSD se deslocou do centro para a direita, se aproximando da oposição conservadora e antinacionalista liderada pela UDN. A coligação PTB/PSD, forjada por Vargas em 1950, consolidou-se na eleição de 1955 com a chapa Juscelino Kubitschek (PSD) e Goulart (PTB). Na eleição seguinte, apesar da simpatia de Juscelino pelo General Juraci Magalhães – ex-governador da Bahia e Presidente Nacional da UDN –, a aliança foi mantida com a indicação da cabeça da chapa pelo PSD do Marechal Henrique Teixeira Lott e a continuidade de Jango como vice-presidente.

A proposição das reformas de base fez com que amplos setores da classe média, da Igreja Católica e do empresariado se mobilizassem – culminando na famosa “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que levou cerca de 500 mil pessoas a se manifestarem contra a “República Sindicalista, a Corrupção e o perigo vermelho” em São Paulo. A agitação dos subalternos das forças armadas e a política nacionalista do Governo Jango provocaram a adesão dos militares e do governo americano ao golpe de 1964.

O golpe, inclusive, também foi parlamentar. Na madrugada de 02 de abril, o presidente do Congresso Nacional, senador Auro Moura de Andrade, decretou vaga à Presidência da República sob a alegação de que o presidente João Goulart – que, sabidamente, estava no Rio Grande Sul – tinha abandonado o Brasil sem autorização do Congresso. Entretanto, o verdadeiro motivo para a deposição era a crise econômica, a política nacionalista e as reformas de base.

O STF e o Congresso Nacional legitimaram o golpe, pois Moura de Andrade, após a decretação da vacância da previdência, seguiu todos os ritos previstos na Constituição Federal de 1946. Deu posse ao presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzili, e, em 30 dias, realizou uma eleição indireta. O Marechal Humberto de Castelo Branco foi eleito, tendo como vice o deputado José Maria Alkmin, do PSD, partido de sustentação do Governo Goulart. A bancada do PSD, seguindo a orientação de Juscelino Kubitscheck, votou em peso na chapa – com exceção do deputado Tancredo Neves. Na madrugada de 02 de abril de 1964, ele já tinha protestado contra a deposição de Jango, gritando “canalha, canalha” com dedo em riste quando Moura Andrade decretou a vacância da Presidência da República.

A maioria dos deputados do PSD que votaram em Castelo Branco foi cassada e/ou presa, inclusive Juscelino. É importante destacar que os golpistas se esforçaram em dar uma aparência de respeito aos ritos e formalidades constitucionais, ao mesmo tempo em que a repressão usava todos os mecanismos extralegais, como tortura e coação, para derrotar os inimigos da ditadura militar recém-implantada.

O regime estabelecido em 1964, inicialmente, deveria ser de “curta duração” e com objetivo de expurgar os “comunistas e populistas” do processo político e institucional brasileiro. Mas foi aprofundando os seus traços autoritários e atingindo com prisões e cassações lideranças políticas tradicionais que não apoiaram o golpe.

Em 1968, houve a adição do AI-5 e a interdição da posse do vice-presidente Pedro Aleixo em substituição ao Marechal Costa e Silva, que teve um acidente vascular que o incapacitou para o exercício da Presidência. Os ministros militares decidiram impedir a posse do vice e proceder a “eleição” pelos oficiais generais do Exército, Marinha e Aeronáutica do General Garrastazu Médici.

O Governo Médici promoveu o aniquilamento da oposição legal com cassações e exílios forçados e da oposição armada através de tortura e eliminação física dos opositores. De 1969 a 1974, o “milagre econômico“ fez com que o regime militar tivesse fôlego para sobreviver praticamente intacto até 1985, se tornando o mais longo período autoritário da história brasileira.

Houve a crise da dívida da década de 1980, a inflação galopante, as greves dos trabalhadores do ABC liderados por Luiz Inácio Lula da Silva, o crescimento eleitoral do MDB em 1978 com a eleição da maioria das vagas do Senado em disputa. Também ocorreu a conquista dos principais estados brasileiros nas eleições de 1982 para governos estaduais pela oposição PMDB e PDT de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás etc.

Em 1984, a “Diretas Já” foi motivada pela emenda do deputado Dante Oliveira do Mato Grosso que estabelecia as eleições diretas para presidente em 1985. A campanha mobilizou milhões de pessoas, ganhando as mentes e os corações da juventude e do povo brasileiro. A derrota da emenda constitucional possibilitou que os setores liberais democráticos da oposição negociassem uma saída honrosa para o regime militar como condição de passagem do poder para as lideranças civis capitaneadas por Tancredo Neves.

O legado do regime militar foi a cassação dos direitos políticos, exílio, tortura, morte, desaparecimento de milhares de brasileiros, fechamento do Congresso Nacional, restrição das liberdades políticas e dos direitos sociais. Neste 1º de abril de 2021 nada temos a comemorar e sim a lamentar.

Engenheiro Civil Ubiratan Félix

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