Ipea defende que tarifa não seja única maneira de custear transportes coletivos e que reajustes tenham base na produtividades dos sistemas

Ipea defende que tarifa não seja única maneira de custear transportes coletivos e que reajustes tenham base na produtividades dos sistemas

Por ADAMO BAZANI/ALEXANDRE PELEGI

Matéria Publicada originalmente no site Diário do Transporte

Nota técnica divulgada nesta semana ainda propõe contratos mais flexíveis e criação de descontos e de serviços adicionais para atrair mais passageiros

As tarifas de ônibus, trens e metrôs podem ser mais baixas para os passageiros e os serviços mais adequados se for mudada a forma de custeio do transporte público majoritariamente aplicada no Brasil.

É o que sugere nota técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), assinada por  Breno Zaban, Fabiano Mezadre Pompermayer e Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, técnicos e especialistas nas áreas de gestão, urbanismo e políticas públicas.

REAJUSTES DE TARIFAS:

O trabalho diz que deve ser abandonado o modelo tarifário de cobertura assegurada de custos, também tratado na literatura como cost-plus, que é usado na maior parte dos sistemas do país.

Nesse modelo, segundo a nota, a tarifa é definida em um patamar que pague todas as despesas do serviço e ainda remunere a empresa operadora.

Ocorre que um dos problemas deste modelo é que o empresário de transporte sabendo que seu ganho vai aumentar ou ao menos ser corrigido com os reajustes, não vai se empenhar para ampliar a eficiência e reduzir custos.

“O problema fundamental é de incentivos. Se o prestador de serviço vai continuar a ganhar seu retorno mesmo se a tarifa aumentar, ele não tem motivo para se dedicar a reduzir a tarifa. Pelo contrário: se o seu ganho for estabelecido como um percentual da base de custos, ele tem o incentivo de aumentar custos para aumentar a tarifa e seu ganho proporcional. Ou seja, se o empresário ganha 5% dos custos totais, ele vai querer aumentar ao máximo os custos totais para aumentar seus 5%.” – diz a nota.

Além disso, sugere o trabalho, este modelo faz com que haja uma relação nada sadia entre poder público e empresário de ônibus. Como o operador é remunerado pela política de reajustes, ele vai agradar aos políticos que têm a caneta na mão para aumentar e a população não será o foco da prestação de serviços.

“Esse sistema também gera um efeito indesejado do ponto de vista republicano. Se a única forma de aumentar seus ganhos é por meio de alteração da tarifa definida por autoridades públicas, a atenção do empresário será voltada para o governo, e não para os passageiros. Em vez de buscar melhorar o serviço para agradar passageiros, o foco do prestador será agradar políticos que decidem os termos e preços do serviço. E, no passado, esse incentivo a agradar políticos frequentemente resultou em condutas não republicanas por parte de prestadores e autoridades”

Uma das alternativas apontadas na nota técnica é reajustar as tarifas por meio de fórmulas que levem em consideração a inflação sobre os itens que compõem os custos de operação e índices de produtividade.

“Em conclusão, entende-se que o primeiro passo para uma tarifa barata é eliminar o modelo de remuneração assegurada sobre custos. No Brasil, alguns sistemas já começaram a adotar reajustes por índices paramétricos refletindo a inflação do transporte, a exemplo de Belo Horizonte, Goiânia, Brasília e Uberlândia, com resultados positivos sobre a produtividade dos sistemas (Gomide e Carvalho, 2016). Tal requisito deve ser observado no desenho do contrato prévio à licitação pela concessão do serviço, mas não se mostra adequado como critério de reajuste e reequilíbrio dos contratos. As subseções, a seguir, oferecem orientações sobre como tomar esse passo.”

Para este modelo de “cobertura assegurada de custos” deixar de existir, também deve ser abandonado o reequilíbrio via tarifa.

A empresa de transporte deve ter liberdade de buscar ganhos além da tarifa (receitas acessórias) e adequar seus custos conforme as exigências da demanda.

O estudo diz que com o fim do reequilíbrio pela tarifa e a busca por serviços que satisfaçam as necessidades dos passageiros rompe-se o atual modelo usado em grande parte do País que é pouco transparente e não permite ganhos significativos de qualidade.

“Se o prestador tem liberdade para adequar seus custos, não é onerado por encargos adicionais e tem liberdade para buscar receitas acessórias, ele também não deve poder demandar ajustes em sua tarifa. Em troca de tais liberdades e vantagens, o prestador deixa de ter direito a impor majorações sobre a população. Nesse contexto, o reajuste da tarifa fica limitado ao índice de inflação do período. Abandona-se, assim, o procedimento de reajuste, um exercício marcado por pouca transparência e riscos à credibilidade estatal, e promove-se um modelo de busca por melhorias e redução de custos com monitoramento permanente da qualidade dos serviços e amplo uso da tecnologia de informação.” – diz outro trecho da nota.

FLEXIBILIDADE DE CONTRATOS:

A nota do Ipea propõe uma série de ações para adequação dos serviços de mobilidade urbana, com o objetivo de oferecer qualidade e menores tarifas aos usuários do transporte público.

Para isso, os contratos devem ser mais flexíveis, ao contrário do que se tem hoje.

“Para poder reduzir tarifas, um prestador precisa poder reduzir custos. E, para reduzir custos, ele precisa ter liberdade para racionalizar suas operações”, aponta o trabalho.

E é aí que a necessidade de flexibilização se torna impositiva.

“Em muitos contratos de serviço de transporte, o poder concedente detalha todos os insumos para o serviço: tipo de veículo, número de pessoas empregadas, custo de combustível etc. Em tais situações, o concessionário é frequentemente obrigado a incorrer em todos os custos previstos pelo governo”.

Não há como reduzir custos em tal cenário, aponta o Ipea.

“A lógica aqui é permitir se diversificar os insumos necessários para a prestação dos serviços de acordo com as especificidades da demanda”.

O nível de serviço, segundo o trabalho, pode ser definido por aplicativos, horários de prestação assegurada, condições de conforto e temperatura (ar-condicionado), entre outros. E no caso de descumprimento de tais níveis, podem ser estabelecidas sanções específicas para o operador.

Desta forma, o trabalho defende que se deve atribuir ao prestador a tarefa de identificar o melhor meio de atender esses níveis de serviços.

O Ipea entende que a liberdade de ação com base em níveis de serviço permite uma série de benefícios. O agente público pode definir as condições de serviço adequado, e resta ao agente privado definir as melhores formas de atender a essas condições.

“Trata-se de atribuir a cada agente a atividade que é mais apta a executar”, diz .

FROTA e SUBCONTRATAÇÃO DE OPERADORES AUTÔNOMOS:

O Ipea ressalta que o prestador não deve ser obrigado a usar o mesmo tipo de ônibus para todas as situações, fato que hoje se vê nos contratos engessados que norteiam as concessões do transporte nas cidades brasileiras.

 “O ônibus articulado necessário para linhas troncais não deve ser usado para uma rota alimentadora com poucos passageiros. Os veículos devem atender aos conjuntos de demandas das cidades de acordo com suas faixas de eficiência (baixa, média e alta capacidades)”, cita o texto.

Desta forma, essa flexibilização permite que operador use veículo certo para cada rota/horário, dando inclusive a possibilidade de subcontratar operadores autônomos.

“Por exemplo, a concessionária de ônibus poderia fazer um acordo com uma empresa de transporte por aplicativos (como Uber, 99, EasyTáxi, Cabify, BlaBlaCar) para atender determinada área, pagando à empresa (e seus motoristas credenciados) o valor de tarifa padrão usado em seus serviços, mas cobrando do usuário do transporte público a tarifa regulada normal, provavelmente menor que a cobrada nos serviços por aplicativos”.

O trabalho ainda aborda itens que são decisivos na definição dos prazos das concessões, e muitas vezes funcionam como limitantes do grau de concorrência. É o caso de associar ativos específicos como garagens, terminais e parte da frota de veículos aos contratos de concessão.

DESCONTOS TARIFÁRIOS:

Outra série de propostas demonstra como os contratos hoje engessados podem não apenas ser flexibilizados, mas principalmente podem “aprimorar substancialmente serviços de transporte público, melhorando o serviço, diminuindo o trânsito e reduzindo as tarifas, com reflexos diretos sobre a qualidade de vida nos centros urbanos”.

O trabalho cita ideias como a de oferecer descontos em horários subutilizados, além de permitir serviços adicionais ao usuário, como forma, por exemplo, de atrair pessoas que utilizam o transporte individual por falta de opção.

PRECISA TER INFRAESTRUTURA E FORMAS DE CUSTEIO ALÉM DA TARIFA:

Por fim, cita a importância de itens urbanos essenciais, como a implantação de faixas exclusivas, a cobrança por estacionamento público, a cessão dos direitos de exploração de estações de embarque e terminais de ônibus, e por fim, apesar de polêmica, a proposta de se cobrar pelo uso privado de vias (pedágio urbano) com transferência dos recursos arrecadados para financiamento e custeio do transporte público.

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