O futuro dos ônibus nas cidades latino-americanas

O futuro dos ônibus nas cidades latino-americanas

Por Alain Flausch* | Publicado no Valor Econômico de 04/11/2014

A América Latina é formada por 36 países e uma população de 517 milhões, da qual 389 milhões de pessoas vivem em áreas urbanas – 30% em cidades com mais de um milhão de habitantes. As megacidades concentram 14% da população (65 milhões) e 222 milhões de pessoas vivem em cidades com menos de 500 mil habitantes. O transporte público é alternativa de mobilidade para 200 milhões de cidadãos das áreas urbanas e 80% deste total utilizam diariamente sistemas de ônibus para deslocar-se.

Megacidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do México, Bogotá e outras, vêm adotando algumas das melhores práticas mundiais de transporte público, tendo por base novos sistemas de ônibus. Quando saímos do cenário das grandes capitais, porém, deparamos com políticas de transporte pouco inovadoras. Em geral, é o mesmo modelo de 50 anos atrás, que não tira proveito da diversidade que os sistemas de ônibus oferecem atualmente, tanto no que ser refere à inovação de operação e variedade de frota, como à diversidade de matriz energética.

Há diversos motivos para a perpetuação deste modelo, que não cabe aqui comentar. Contudo, em um novo contexto de cidades produtivas e competitivas, não há mais espaço para a continuidade de sistemas de transporte público sem grandes inovações. Independentemente do tamanho da cidade, a melhoria de seu espaço urbano e de sua condição ambiental é uma necessidade real, e não se dará sem a inovação nos esquemas operacionais e sem a mudança energética dos sistemas de ônibus.

Os populares ônibus urbanos, que vinham sofrendo certo desgaste em sua imagem, por serem ainda vistos como modo de transporte de segunda classe, ultimamente têm-se valido de novos ativos que lhes permitem chamar mais atenção. Eles são mais baratos em termos dos investimentos necessários; são flexíveis para a implantação de projetos de rede e de resposta a necessidades de demanda; e podem transportar capacidades maiores do que nunca em sua história, como os de dupla articulação, usados nos sistemas de Transporte Rápido por Ônibus (BRT), e até os BHNS (ônibus de alto nível de serviço, na expressão francesa).

Os ônibus podem se gabar ainda de serem limpos, com os motores Euro VI e o desenvolvimento dos novos veículos elétricos, oferecendo a perspectiva de substituição dos modelos a diesel. Embora 95% de todos os ônibus hoje ainda usem combustíveis fósseis, a última década presenciou o surgimento de um genuíno mercado da propulsão, com base em fontes de energia alternativas, oferecendo uma larga variedade de opções de combustíveis limpos para melhorar a qualidade do ar, superar a poluição sonora e cumprir as metas das políticas urbanas.

As melhores práticas mundiais incluem experiências significativas com novos sistemas de ônibus na América Latina e, sem dúvida, a principal delas está relacionada ao BRT, que remonta à década de 70, em Curitiba.

Desde então, os sistemas BRT vêm passando por modernizações constantes e consolidando-se como modelos exitosos. É o que ocorreu com o Transmilenio, de Bogotá, que se tornou um ícone, e com a explosão desta política em diversas cidades do continente nos últimos cinco anos: a Cidade do México inaugura uma nova linha a cada ano e já possui cinco totalmente integradas; o Rio de Janeiro, em pouco tempo, terá um sistema com mais de 150 km.

A América Latina também tem demonstrado que a implantação de novos sistemas de ônibus é uma alternativa real de melhoria das condições ambientais. É importante recordar que a principal metodologia aprovada pela ONU para comprovação de redução de carbono (metodologia AM0031) se destina a sistemas BRT. O Transmilênio de Bogotá se consolidou, a nível mundial, como projeto de transporte em grande escala, pioneiro também como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Isto insere os novos sistemas de ônibus em um modelo de negócios eficiente e ambientalmente amigável, com parcerias público-privadas, investimentos em infraestrutura e recursos financeiros adicionais de créditos de carbono.

Profissionais de todo o mundo vão se reunir a partir de amanhã, dia 5, no Rio de Janeiro, para debater o futuro deste modo de transporte na 8ª Conferência Internacional sobre Ônibus da União Internacional de Transporte Público (UITP), cujo objetivo é tornar os seus ganhos de qualidade uma realidade para todas as cidades.

O tema da edição é “Crescendo com o Transporte Público por Ônibus”, enfatizando o importante papel que eles desempenham dentro da estratégia da UITP de dobrar a participação de mercado do transporte público até 2025. Após recentes edições em Istambul e em Lyon, a conferência retorna à América Latina, colocando o continente no foco internacional sobre a excelência dos novos sistemas de ônibus.

Não há dúvidas de que existem alternativas mais eficientes para a América Latina e para o mundo, considerando toda a cadeia produtiva, a capacidade de investimento das cidades e o olhar mais atento às questões ambientais. O transporte público é um elemento básico de combate às alterações climáticas e não haverá melhoria na qualidade ambiental das cidades sem políticas públicas de estímulo a novos sistemas de ônibus, mantendo um mix de distintas tecnologias e operações.

O Brasil pode se orgulhar da introdução do sistema de Transporte Rápido por Ônibus (BRT), cujo conceito originou-se em Curitiba em 1974 e que está sendo usado atualmente em mais de 180 cidades do mundo inteiro.

*Alain Flausch é o secretário geral da União Internacional de Transporte Público.

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