Por Camila Marins
jornalista da Fisenge
“Sabemos que é necessário um trabalho insano de arregimentação do movimento sindical, dos partidos políticos progressistas, para que possamos manter a sociedade permanentemente pressionando o Congresso, para que ele possa regulamentar a legislação em benefício da classe trabalhadora brasileira”. Luiz Inácio Lula da Silva, durante seu discurso na Constituinte de 1988.
Um ano após a Constituinte, em 1989, o Brasil viveu um processo eleitoral histórico para a presidência da República com os candidatos Lula e Collor. De um lado um sindicalista comprometido com as causas dos trabalhadores, Lula; de outro o caçador de marajás, Collor. Tanto em 1989 como em 2014, o discurso fora pautado pela moralização do Estado e o combate à corrupção. Qual a convergência das conjunturas? A disputa pelo Estado. O final dos anos 80 e toda a década de 90 foram regulados pela lógica do Estado mínimo, ou seja, uma política pautada pelo neoliberalismo e pela ínfima participação do Estado na sociedade, privilegiando agentes econômicos privados. A partir de 2002, com a eleição de Lula, o Estado passa a ser elemento principal da disputa, principalmente com o fortalecimento das empresas e dos bancos públicos, distribuição de renda e forte protagonismo em obras de infraestrutura.
O desenvolvimento do país começa a tomar um outro rumo com a presença do Estado, mesmo que ainda com deficiências. As eleições deste ano, especialmente o 2º turno presidencial, repetiu a história da polarização das candidaturas. No entanto, há uma falha estrutural no programa comprometido com o avanço social: a falta de conscientização da importância de tais políticas públicas e do papel do Estado no desenvolvimento brasileiro. O grande desafio, hoje, é a disputa da sociedade. Nesse sentido, a repetição destes cenários no processo eleitoral trouxe à baila duas questões centrais: a regulação dos meios de comunicação e a reforma política.
De acordo com informações do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a nova composição do Congresso Nacional será a mais retrógrada desde a redemocratização do país. Entre os parlamentares eleitos estão militares, policiais, fundamentalistas religiosos e ruralistas. Já a “Bancada Sindical” era mais robusta em 2010, com 83 cadeiras. Agora, os representantes dos trabalhadores caíram para apenas 46. “Mesmo com esse quadro ruim do Congresso, precisamos lembrar que, de acordo com dados do Dieese, o número de greves e conquistas dos trabalhadores vem aumentando”, apontou o integrante da Coordenação Nacional da Consulta Popular, Ricardo Gebrim.
A reforma política ultrapassa as bancadas do parlamento e almeja o sistema político, com a regulação dos meios de comunicação e a reforma do Judiciário. “Precisamos ampliar nossa capacidade de mobilização e unidade, com o objetivo de dialogar com a sociedade sobre a importância da regulação da mídia, o fortalecimento da comunicação pública e a coleta de assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica”, afirmou o integrante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Orlando Guilhon.
Consensos possíveis
Ainda não está claro o método para a realização de uma reforma política. Isso porque alguns setores defendem a Constituinte Exclusiva, outros o Projeto de Iniciativa Popular de Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. Alguns setores acreditam que há riscos de retrocessos com uma Constituinte Exclusiva. “A História não é mera continuidade linear do presente. Não podemos ficar na defensiva e precisamos propor o plebiscito e a Constituinte como novas perspectivas de enfrentamento ao atual sistema político”, alertou Gebrim, lembrando o processo das “Diretas Já”, um dos movimentos de maior participação popular no Brasil.
A engenheira e deputada federal Luciana Santos (PCdoB) acredita que as regras do jogo para eleger a Constituinte serão as mesmas. “Talvez para o momento, o melhor caminho seja reforçar o projeto de iniciativa popular capitaneado por entidades representativas como OAB, CNBB, UNE, MST, Contag, Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral, entre outros”, contrapôs. Mesmo com visões diferentes acerca do método de uma reforma política, existem consensos possíveis, que são o financiamento público de campanha e a regulação dos meios de comunicação.
Outra campanha fundamental que a sociedade precisa se apropriar é “Devolve, Gilmar”. O engenheiro e deputado federal Ivan Valente (PSOL) explica que a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) já prevê o fim do financiamento empresarial. “Precisamos da reforma política, começando pelo fim do financiamento privado. Só falta o Gilmar Mendes sair de cima do processo e dar seu voto. A maioria dos ministros já votou favoravelmente. A atitude de Mendes é meramente protelatória”, destacou Valente, frisando que também é preciso acabar com as coligações partidárias e valorizar os partidos, e não as personalidades.
Engenheiros e engenheiras no Congresso
Para o Congresso Nacional, foram eleitos profissionais ligados à engenharia e à área tecnológica e mais de 80% ligados aos setores empresariais, latifundiários e conservadores. Apenas uma mulher engenheira foi eleita: a deputada federal Luciana Santos (PCdoB), que acredita que o peso da engenharia depende do modelo econômico adotado. “Na chamada década perdida, vimos gerações de engenheiros formados, que não conseguiam espaço no mercado de trabalho na área, no máximo conseguiam espaço nos órgãos de controle. Hoje pagamos o preço dessa distorção: há mais engenheiros nos órgãos de controle do que nos órgãos públicos de execução, e isso se rebate fora do serviço público também”, contextualizou. O engenheiro e vice-presidente da Fisenge, Roberto Freire, problematiza o modelo de Estado. “Antes de mais nada, precisamos avaliar o Estado de coisas colocado, que é um modelo de Estado regulador e controlador. Isso porque os engenheiros estão presentes e mais valorizados em órgãos de controle que na execução de projetos “, questionou Freire.
O presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros, Clovis Nascimento, reforça que o ciclo de desenvolvimento iniciado no ano de 2002 em diante priorizou o setor produtivo. “Com o aumento das obras de infraestrutura no país e investimentos em políticas públicas, como saneamento, PAC e Minha Casa, Minha Vida, houve um aumento substancial de vagas no mercado de trabalho. Hoje, ao contrário das décadas perdidas, a engenharia exerce papel fundamental no desenvolvimento social e sustentável do país”, disse.
Embora o número de mulheres tenha ampliado no Congresso Nacional, ainda há pouco avanço. “Infelizmente, mesmo com a singela ampliação de 8,9 para 10% de mulheres no parlamento, ainda enfrentamos e continuaremos enfrentando um Congresso ainda mais conservador, especialmente nas pautas referentes a gênero e direitos humanos”, refletiu a diretora da mulher da Fisenge, Simone Baía.
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O que é um Plebiscito Popular?
Um Plebiscito é uma consulta na qual os cidadãos e cidadãs votam para aprovar ou não uma questão. De acordo com as leis brasileiras, somente o Congresso Nacional pode convocar um Plebiscito. Apesar disso, desde o ano 2000, os Movimentos Sociais brasileiros começaram a organizar Plebiscitos Populares sobre temas diversos.
O que é uma Constituinte?
É a realização de uma assembleia de deputados eleitos pelo povo para modificar a economia e a política do País e definir as regras, instituições e o funcionamento das instituições de um Estado como o governo, o Congresso e o Judiciário, por exemplo. Suas decisões resultam em uma Constituição. A do Brasil é de 1988.
Por que uma Constituinte soberana e exclusiva?
Constituinte para fazer a mudança do sistema político deve ser, em primeiro lugar, Exclusiva, ou seja, com representantes eleitos exclusivamente para a Constituinte. Esses representantes devem ser eleitos sob novas regras e não as existentes hoje, que mantêm a lógica da ditadura. A Constituinte Exclusiva e Soberana deve ser unicameral, ou seja, sem o Senado, e com uma pessoa um voto. Só assim, elegendo sob novas regras, teremos uma Constituinte Exclusiva e Soberana capaz de mudar o sistema político brasileiro e de adotar decisões que, efetivamente, representem os anseios do povo trabalhador organizado.
Eixos de uma ampla reforma do sistema político
Regulação dos meios de comunicação
Reforma do Judiciário
Aperfeiçoamento da democracia representativa, com a reforma do sistema eleitoral
Fortalecimento da democracia direta e participativa, com controle social
Ampliação de jovens, mulheres, indígenas e negros no parlamento
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Confira a lista dos profissionais ligados à área tecnológica e à engenharia eleitos para o próximo Congresso Nacional
Flaviano Melo | PMDB | AC | 18.372 | Reeleito | Engenheiro Civil |
Sibá Machado | PT | AC | 18.395 | Reeleito | Geógrafo |
Ronaldo Lessa | PDT | AL | 49.557 | Novo | Engenheiro |
Antônio Imbassahy | PSDB | BA | 120.479 | Reeleito | Engenheiro Eletricista |
João Bacelar | PR | BA | 111.643 | Reeleito | Empresário e Engenheiro Civil |
José Carlos Aleluia | DEM | BA | 101.924 | Novo | Engenheiro Eletricista |
Antonio Balhmann | Pros | CE | 87.666 | Reeleito | Engenheiro Mecânico |
José Airton | PT | CE | 94.056 | Reeleito | Advogado e Engenheiro Civil |
Leônidas Cristino | Pros | CE | 91.085 | Novo | Engenheiro |
Heuler Cruvinel | PSD | GO | 90.877 | Reeleito | Agrônomo |
Pedro Chaves | PMDB | GO | 77.925 | Reeleito | Engenheiro Civil |
Zé Reinaldo | PSB | MA | 86.728 | Novo | Engenheiro |
Pedro Fernandes | PTB | MA | 85.507 | Reeleito | Engenheiro Civil e Bancário |
Zé Carlos | PT | MA | 90.531 | Novo | Engenheiro Civil |
Aelton Freitas | PR | MG | 91.103 | Reeleito | Produtor Rural, Engenheiro Agrônomo e Empresário |
Carlos Melles | DEM | MG | 107.906 | Reeleito | Engenheiro Agrônomo e Empresário |
Jaime Martins | PSD | MG | 158.907 | Reeleito | Empresário, Engenheiro e Advogado |
Luiz Fernando Faria | PP | MG | 117.542 | Reeleito | Engenheiro Mecânico, Agropecuarista, Empresário – Administração |
Zé Silva | SD | MG | 109.925 | Reeleito | Agricultor, Agrônomo e Extensionista Rural |
Marun | PMDB | MS | 91.816 | Novo | Advogado e Engenheiro Civil |
Tereza Cristina | PSB | MS | 75.149 | Nova | Engenheira Agrônoma e empresária |
Adilton Sachetti | PSB | MT | 112.722 | Novo | Produtor Agropecuário |
Beto Faro | PT | PA | 142.970 | Reeleito | Agricultor Familiar |
Zé Geraldo | PT | PA | 105.151 | Reeleito | Agricultor |
Betinho Gomes | PSDB | PE | 97.269 | Novo | Formado em Engenharia Agronômica |
Luciana Santos | PCdoB | PE | 85.053 | Reeleita | Engenheira Elétrica |
Leandre Dal Ponte | PV | PR | 81.181 | Nova | Engenheira |
Luiz Nishimori | PR | PR | 106.852 | Reeleito | Agricultor e Comerciante |
Ricardo Barros | PP | PR | 114.396 | Novo | Engenheiro Civil e Empresário |
Arolde de Oliveira | PSD | RJ | 55.380 | Reeleito | Empresário, Engenheiro, Economista e Professor |
Fernando Jordão | PMDB | RJ | 47.188 | Novo | Empresário, Engenheiro Elétrico e Comerciante |
Paulo Feijó | PR | RJ | 48.058 | Reeleito | Engenheiro Mecânico |
Betinho Segundo | PP | RN | 64.445 | Novo | Empresário e Agrônomo |
Rafael Motta | PROS | RN | 176.239 | Novo | Graduando em Engenharia de Produção |
Lúcio Mosquini | PMDB | RO | 40.595 | Novo | Empresário e Engenheiro eletricista |
Afonso Hamm | PP | RS | 132.202 | Reeleito | Engenheiro Agrônomo |
Heitor Schuch | PSB | RS | 101.243 | Novo | Agricultor |
Luis Carlos Heinze | PP | RS | 162.462 | Reeleito | Empresário, Engenheiro Agrônomo e Produtor Rural |
Marcon | PT | RS | 116.178 | Reeleito | Agricultor |
Paulo Pimenta | PT | RS | 140.868 | Reeleito | Empresário, Técnico Agrícola e Jornalista |
Marcos Tebaldi | PSDB | SC | 135.042 | Reeleito | Empresário, Engenheiro, Funcionário Público |
Valdir Colatto | PMDB | SC | 115.431 | Novo | Engenheiro Agrônomo |
Peninha | PMDB | SC | 137.784 | Novo | Agrônomo |