Samuel Pinheiro Guimarães: A integração tem futuro

Samuel Pinheiro Guimarães: A integração tem futuro

Samuel Pinheiro Guimarães foi secretário-geral do Itamaraty durante o governo Lula. Depois, respondeu pela Autoridade do Mercosul. Nesta entrevista, respondida no dia 8 de abril de 2016, Samuel analisa a situação brasileira, regional e internacional.

Revista Esquerda Petista: No Brasil, os setores contrários ao golpismo afirmam existir influências externas no processo. Você concorda com isto? Em caso positivo, que influências seriam estas?

Samuel Pinheiro Guimarães: Nenhuma Grande Potencia Ocidental, em especial os Estados Unidos, tem interesse em que surja uma nova Potência no cenário internacional com as características do Brasil.

A Lava Jato, com seu cortejo de irregularidades legais, tem contribuído para enfraquecer o Estado brasileiro e grandes empresas de capital nacional.

As Grandes Potências Ocidentais têm interesse vital em enquadrar o Brasil em uma política econômica recessiva, neoliberal e totalmente favorável as megaempresas multinacionais.

A crise econômica/política/judiciária/social contribui para que os interesses externos consigam fazer avançar seus objetivos.

Somente a permanente mobilização popular poderá garantir a democracia e o desenvolvimento.

Qualquer que seja o desfecho da crise política atual, o Brasil continuará parte integrante do mundo e, portanto, afetado pelos grandes conflitos mundiais. Dentre estes conflitos, quais são os fundamentais, aquelas variáveis que a militância de esquerda deve acompanhar com máxima atenção?

O principal conflito internacional é a disputa, velada e cautelosa, entre os Estados Unidos e a China em todas as esferas políticas, militares, econômicas e tecnológicas.

Falando dos Estados Unidos: para além dos problemas de natureza geopolítica e das questões macroeconômicas, a impressão é que há uma imensa crise política na principal potência mundial. Esta impressão procede? Em caso positivo, qual sua apreciação a respeito? 

Há uma crise política importante que decorre da emergência de movimentos conservadores com grande penetração social, cuja expressão máxima é a candidatura de Donald Trump, e, de outro lado, movimentos progressistas representados pela candidatura de Bernie Sanders que se intitula socialista e que tem, igualmente, grande penetração social, em especial na juventude.

Ainda sobre os Estados Unidos: mão dura com Venezuela, diálogo com Cuba. Contradição, aspectos complementares de uma mesma política, outra explicação… que você nos diz a respeito?

A aproximação com Cuba é um movimento estratégico importante norte-americano que desarmou parte da oposição à política de hegemonia americana na América Latina.

Os governos progressistas e reformistas que se instalaram, por via democrática, no Paraguai, no Brasil, na Argentina, na Venezuela, no Equador, no Uruguai, na Bolívia, no Chile, tinham como programa recuperar seus Estados, suas economias e suas sociedades da devastação causada pelos governos neoliberais anteriores.

Suas políticas, com naturais diferenças, tinham como metas a recuperação do Estado; amplos programas de inclusão social; fortalecimento do capital nacional; recuperação da infraestrutura física e social; construção da integração sul-americana; cooperação em uma política externa mais independente.

A política americana de combate, com vários graus de agressividade e ostentação, aos governos progressistas na América do Sul e que se desenrolou através da imprensa e da articulação com aliados políticos, econômicos e acadêmicos em cada Estado, foi vitoriosa no Paraguai e na Argentina; prossegue na Venezuela e se faz hoje presente no Brasil, no Chile, no Equador (hoje já se integrando ao sistema econômico mundial neoliberal através do acordo com a União Europeia) e na Bolívia.

É a política do regime change que é o nome moderno para golpe de Estado.

Olhando para a Rússia, temos uma impressão oposta. A de que, nas elites políticas e econômicas daquele país, forjou-se uma unidade acerca dos objetivos estratégicos da Rússia no século XXI. Esta impressão procede? Em caso positivo, que tipo de impacto isto tem sobre o Brasil e sobre nossa região?

Samuel. Concordo com interpretação sobre a construção dos objetivos estratégicos da Rússia e sua percepção clara da política americana antagônica.

O impacto sobre o Brasil depende do interesse e da capacidade do governo brasileiro em estabelecer programas de cooperação com a Rússia em todas as áreas.

À ação do Estado é indispensável diante do fato de que os vínculos políticos e econômicos entre o Brasil e a Rússia sempre foram tênues, inclusive devido ao longo período de ausência de relações diplomáticas, em consequência, de relações econômicas significativas e à diferença de modelos econômicos.

Neste contexto, qual o papel jogado pela China?

As relações com a China têm afetado o presente e o futuro do desenvolvimento econômico e social do Brasil e a política brasileira na América do Sul.

A China, ao se tornar grande mercado para produtos primários e grande fornecedora de produtos manufaturados de baixo preço, criou no Brasil a ilusão de que se poderia dispensar o esforço de desenvolvimento industrial.

Por outro lado, a China se tornou grande competidora do Brasil na América do Sul.

É preciso tornar a China um grande parceiro do processo de desenvolvimento industrial e tecnológico no Brasil e na região.

Neste contexto, que papel joga a Europa?

A Europa está imersa em políticas recessivas que afetam o grau de coesão de suas sociedades nacionais; tornou-se aliada dos Estados Unidos em sua política anti-russa e em suas iniciativas de intervenção nos países árabes/mulçumans; diante de uma onda migratória, viu ressurgir os movimentos xenófobos e de extrema direita, inclusive fascista.

Existe futuro para a nossa integração regional?

Sim, certamente. Várias Potências extra regionais, em especial os Estados Unidos, não veem com bons olhos a formação de um bloco sul-americano ou o fortalecimento do Mercosul.

Estas Potências fazem todo o possível, através de seus aliados na grande mídia, na academia, na política, na administração dos diferentes países da região, para desacreditar os esforços de integração.

Advogam que o futuro do Brasil e da América do Sul se encontra em sua inserção, total e inocente, no processo de globalização, em que aquelas Potências são hegemônicas, em sua aceitação de uma divisão internacional do trabalho em que, de um lado, estão os países produtores primários, subdesenvolvidos, periféricos e desarmados e, de outro lado, estão os países desenvolvidos, industrializados, armados e centrais.

A luta pela integração da América do Sul se verifica no âmbito da zona de influência dos Estados Unidos e é, por esta razão, árdua, porém indispensável para a construção de sociedades desenvolvidas, prósperas, justas, democráticas e soberanas.

 

Fonte: Revista Esquerda Petista

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