Terceirização é o Rubicão do governo Dilma

Terceirização é o Rubicão do governo Dilma

Por Breno Altman*, do Opera Mundi

 

A presidente da República está diante de tema crucial, embora ainda o aborde de forma cuidadosa e oblíqua. Trata-se da proposição legislativa com maior impacto regressivo sobre a estrutura econômica do país desde as privatizações levadas a cabo pelos governos tucanos nos anos 90.

A aprovação do Projeto de Lei 4330, que legaliza a contratação de empresas terceirizadas em praticamente todas as atividades econômicas, constituiria o mais rude golpe contra o mundo do trabalho após a consolidação das leis laborais em 1943.

O setor tem sido regulado, até o presente, por súmula do Tribunal Superior do Trabalho, que permite terceirização apenas nas atividades-meio: por exemplo, nas tarefas de limpeza e segurança. Nenhuma companhia está autorizada a contratar outras firmas para substituir mão-de-obra individual em suas atividades-fim.

Mesmo com este alcance limitado, o estrago não tem sido pequeno.

De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), divulgada pelo Ministério do Trabalho, o número de empregados terceirizados equivale a 26,8% do mercado formal, totalizando quase 13 milhões de empregados.

Sua remuneração é 24,7% menor que a dos contratados diretos.

A jornada de trabalho, de 43 horas, superior em 7,5%.

O tempo de emprego, menos da metade: 2,7 contra 5,8 anos.

Tal mecanismo, além disto, subtrai dos terceirizados benefícios conquistados em negociações coletivas pelos trabalhadores contratados, pois outra das vantagens patronais é esvaziar o poder de pressão das poderosas organizações proletárias dos ramos tradicionais, empurrando para as empresas intermediárias a relação com funcionários alocados nas plantas contratantes, cuja representação é exercida por sindicatos fracos e manipuláveis.

Aprovado pela Câmara dos Deputados, ainda sujeito a emendas e à votação no Senado, o PL 4330 estende o sistema para todas as esferas do trabalho. A pretexto de regulamentar a situação dos terceirizados, abre ao capital uma avenida para quebrar direitos, reduzir salários e aumentar lucros recorrendo à precarização laboral.

O empresariado, através de suas entidades, vem articulando e pressionando por estas medidas há mais de dez anos. O próprio ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro Neto, ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria, é um dos padrinhos da iniciativa.

A seu favor, formou-se amplo arco de alianças no poder legislativo, alicerçado sobre a frequente combinação entre interesse de classe, estímulo da imprensa monopolista e financiamento eleitoral de parlamentares escalados para o serviço.

O resultado foi a votação do último dia 8 de abril, com a acachapante vitória do projeto, entre os deputados, por 324 a 137 votos. Os únicos partidos que orientaram o voto pela rejeição foram o PT, o PSOL e o PCdoB.

Até mesmo uma parcela do movimento operário, capitaneada pela Força Sindical, foi cooptada pela ofensiva patronal, em troca de emendas que atenuariam certos aspectos da legislação.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), entre outras associações, estão empenhadas em campanha para impedir a sagração de lei. Para amanhã, dia 15 de abril, está convocada jornada de greves e manifestações contra o projeto.

A próxima etapa de tramitação deverá ocorrer nesta semana, novamente na câmara baixa, quando serão votados destaques que, em tese, poderiam alterar a medida.

Depois, será a votação no Senado.

O projeto, por fim, irá à sanção presidencial.

Se Dilma vetar, o Congresso poderá repor a lei, total ou parcialmente, por maioria absoluta de deputados e senadores.

Qualquer que seja o desenlace legislativo, porém, a presidente estará diante de encruzilhada vital para seu mandato.

Tem chance de ouro para recuperar e reunificar o campo progressista se, desde agora, de forma clara e contundente, assumir a liderança contra o PL 4330 e anunciar antecipadamente o veto.

Não é relevante, deste ponto de vista, se o parlamento irá ou não rever sua decisão. O que está em jogo é a chefe de Estado demonstrar plenamente de que lado está neste conflito de classes, depois de ter sua credibilidade no universo sindical abalada pela agenda econômica conduzida por Joaquim Levy.

O impacto estrutural da terceirização, afinal, suplanta de longe as agruras do ajuste fiscal. Apesar de reduzirem direitos trabalhistas e previdenciários, medidas como ampliação do tempo para seguro-desemprego ou diminuição da pensão por morte são conjunturais e relativamente periféricas.

A mudança em tramitação, por sua vez, organiza ataque generalizado e frontal à classe trabalhadora.

Mas a possibilidade que se abriu para a presidente sair das cordas, oriunda da voracidade dos capitalistas e seus porta-vozes, também oferece atalho para o precipício.

O veto simboliza a resistência na margem esquerda do Rubicão, defendida bravamente pelo PT na noite da última quarta-feira.

A sanção significaria, por sua vez, a travessia do rio. Se assim o fizesse, perderia qualquer sentido a manutenção do apoio progressista e sindical ao seu governo.

 

* Breno Altman é jornalista, diretor editorial do site Opera Mundi.

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