Clemente Ganz Lúcio[1]
Dirigentes, ativistas
e assessores sindicais são os destinatários desse artigo. O objetivo é refletir
sobre a profunda reestruturação que o movimento sindical brasileiro deve
promover para ser coetâneo com as múltiplas transformações disruptivas que
ocorrem no mundo do trabalho, bem como ser capaz de responder aos ataques que
vem sofrendo.
Desejo que a leitura contribua para mobilizar a imaginação na busca da
reorganização do sindicalismo, para desenvolver a criatividade no sentido de projetar
novas estratégias de atuação sindical, para desenvolver a capacidade de cálculo
político promovendo transições no processo de mudança.
- A complexidade
Há um contexto
situacional de adversidades múltiplas que gera, para muitos, a sensação de que
a complexidade dos atuais fenômenos sociais torna muito difícil descrevê-los e
prospectá-los no futuro, redundando fugazes os esforços para construir
explicações sobre o que acontece e formular projetos e processos de
enfrentamento e superação. Portanto, cuidado, a complexidade pode conduzir a um
fatalismo imobilizador!
O caminho é
perseverar no desenvolvimento da capacidade cognitiva para compreender essas as
complexidades do presente e do futuro e, sobre essa base, com método, desenhar projetos
de superação, elaborar estratégias de construção e formular utopias
transformadoras.
Há futuro para o sindicalismo? Partimos da hipótese de que haverá
sindicalismo para responder aos vetores organizadores e mobilizadores do
trabalho humano no futuro, bem como às diferentes formas de contratação que
irão adquirir as relações sociais de produção, também às novas condições de
trabalho, assim como à dinâmica de concentração ou distribuição do produto
social do trabalho, da renda e da riqueza. Será um sindicalismo
diferente, indicam as reestruturações em curso, mas com a mesma raiz histórica.
Por isso, é urgente que o movimento sindical brasileiro tome iniciativas
inovadoras para promover uma reestruturação que correlacione e integre a
mudança na estrutura e organização sindical à dinâmica que emerge no novo mundo
do trabalho.
A raiz do
sindicalismo é a solidariedade que une os trabalhadores em movimentos de lutas
por utopias como a justiça, a igualdade, o bem viver e que são aplicadas no
cotidiano das relações de trabalho e das condições de vida.
Somente serão capazes
de protagonizar esse sindicalismo raiz aqueles que tiverem a atenção para o
contexto real dos novos trabalhadores, compreendendo as condições em que vivem,
seus sonhos, contradições e interações. Os trabalhadores desse novo mundo do
trabalho serão os protagonistas do movimento sindical que irromperá.
Cabe-nos hoje, diante
das complexidades, a decisão de:
a) considerar que há
um novo mundo do trabalho irrompendo;
b) tomar a iniciativa
de compreendê-lo;
c) lutar junto com os novos trabalhadores;
d) reorganizar e
colocar a atual estrutura sindical para ser, desde já, uma resposta às transformações
e estar a serviço do movimento dos trabalhadores e do seu futuro;
e) investir continuadamente
na formação e renovação de quadros.
- Os ataques ao sindicato, aos direitos e à proteção no
Brasil
As reestruturações
institucionais avançaram nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo uma
delas a reforma da legislação e do sistema de relações de trabalho. Os objetivos
foram, e continuam sendo, reduzir o custo do trabalho; criar a máxima
flexibilidade de alocação da mão de obra, com as mais diversas formas de
contrato e ajustes da jornada; reduzir ao máximo a rigidez para demitir e
minimizar os custos de demissão, sem acumular passivos trabalhistas; restringir
ao limite mínimo as negociações e inibir contratos ou convenções gerais em
favor de acordos locais, realizados com representações laborais controladas; e
quebrar os sindicatos.
No Brasil, com a aprovação da Lei 13.467,
em meados de 2017, em um lance institucional ousado, o Legislativo e o Executivo
transformaram profundamente a legislação trabalhista, o sistema de relações de
trabalho no país e fizeram uma reforma sindical contra os trabalhadores. Em
síntese, a lei deixou de ser um sistema protetor dos trabalhadores, de
equilíbrio de força entre capital e trabalho e passou a ser um aparato protetor
das empresas.
A reforma alterou a hierarquia normativa
em que Constituição, legislação, convenções coletivas e acordos eram pisos
progressivos de direito. Desde então, a Constituição passou a ser um teto, a
legislação uma referência de direitos que podem ser reduzidos pelas convenções;
os acordos podem diminuir garantias previstas em lei e em convenção coletiva, o
indivíduo pode abrir mão de muito do que foi conquistado coletivamente. Os
trabalhadores e os sindicatos “ganharam o livre direito” para reduzir salários
e garantias, flexibilizar contratos, ampliar ou reduzir jornada, quitar
definitivamente, na presença coercitiva do empregador, os direitos. O acesso
dos trabalhadores à Justiça foi limitado. As empresas passaram a ter inúmeros
instrumentos de maior garantia, proteção e liberdade jurídica para ajustar o
custo do trabalho.
Fazem parte dessas mudanças a
possibilidade de novos tipos de contratos de trabalho (tempo parcial, trabalho
temporário, intermitente, autônomo exclusivo, terceirizado sem limite,
teletrabalho, etc.), que permitem ajustar o volume de trabalho à produção no
dia, na semana, no mês, ao longo do ano. Esses contratos podem ter ampla
flexibilização em termos de jornada (duração, intervalos, férias, banco de
horas, etc.). As definições do que é salário são alteradas e os valores podem
ser reduzidos, assim como outras obrigações legais. A demissão é facilitada,
inclusive a coletiva, com diversas formas de quitação definitiva de débitos
trabalhistas.
O poder de negociação dos sindicatos é
fragilizado com o “novo poder” de reduzir direitos, a interposição de comissões
de representação dos trabalhadores, nas quais é proibida a participação
sindical, ou com a autonomia do indivíduo para negociar diretamente. Essas
medidas quebram o papel sindical de escudo coletivo e protetor. Como já ocorre
em outros países que adotam mecanismos semelhantes, os trabalhadores estão
sendo incentivados e estimulados, por meio de inúmeras práticas antissindicais
e de submissão patronal, a não apoiar ou financiar os sindicatos. Muitos são submetidos
ao poder das empresas, pressionados para aceitar acordos espúrios diante do
medo de perder o emprego.
A Justiça
do Trabalho, que agora é paga, terá sua tarefa reduzida à análise formal dos pleitos. A Lei criou uma tabela que precifica o ônus da
empresa até, no máximo, 50 vezes o salário do trabalhador!
Foram mais de 300 alterações na legislação
trabalhista, que operam um verdadeiro ataque aos trabalhadores. O Brasil se
integrou ao rol de países que reformaram a legislação laboral e sindical para
oferecer às empresas a flexibilidade para ajustar o tamanho e o custo da força
de trabalho sem resistência sindical.
Outras iniciativas foram tomadas, como a Lei
13.429/2017 que autorizou a terceirização de forma ilimitada no setor privado e
público. A Reforma da Previdência Social foi aprovada em 2019 com severos e
múltiplos impactos que impedem ou dificultam o acesso à previdência social,
arrocham benefícios e pensões. Iniciativas com o mesmo objetivo acabaram caducando como, por exemplo, a Medida
Provisória 905/2019 que fazia inúmeras alterações trabalhistas e
sindicais e a MP 873, que feria de
morte o financiamento sindical e, mesmo caducando, deixou um legado de destruição
sindical. Há várias outras iniciativas
tomadas pelo Governo, por meio de Medida Provisória ou Projeto de Lei, que
estão em debate no Congresso, com impactos sobre condições de trabalho,
jornada, direitos laborais e sindicais.
Especificamente
em relação ao financiamento sindical, cabe mencionar que duas das principais
fontes, que representam mais de 70% da receita corrente das entidades, foram
bloqueadas ou limitadas. A primeira é a contribuição sindical (desconto anual
de um dia de trabalho de todos os empregados), destinada à manutenção de
sindicatos, federações, confederações e Centrais Sindicais e ao Ministério do
Trabalho. Tem caráter constitucional obrigatório, mas com a atual legislação,
passou a ser facultativa, situação que está sendo questionada na Justiça. Ao
tornar voluntária essa contribuição, os dados de 2018 a 2020 indicam queda superior
a 90%.
A
outra receita importante é a contribuição assistencial, feita pelos
trabalhadores às entidades sindicais que os representam, por ocasião das
negociações coletivas de trabalho. O Supremo Tribunal Federal tem atuado
incisivamente para proibir o desconto dessa contribuição dos trabalhadores não
associados aos sindicatos, apesar de garantir que todos têm o direito de
acessar aos direitos definidos pelas convenções e acordos coletivos. O
“trabalhador carona”, a “malandragem”, a tão falada lei de Gerson que incentiva
“levar vantagem em tudo”, vem orientando as inciativas do Executivo, as
decisões legislativas e judiciais, favorecendo e, de certa forma incentivando,
esse tipo de prática.
O
objetivo claro é quebrar o movimento sindical ou, no mínimo, restringir e
controlar seu poder. Se não fosse esse o propósito, e havendo necessidade de
mudança, a legislação asseguraria regras adequadas para um financiamento
condizente com as atribuições sindicais, mecanismos para um processo de transição,
valorizaria a negociação e modernizaria o sistema de relações de trabalho e não
incentivaria práticas antissindicais.
- O debate sobre a reforma sindical e cenários para a
reestruturação
Para
além das mudanças no mundo do trabalho[2], que passam cada vez mais
a exigir transformações no sistema sindical, há também iniciativas
institucionais que recolocam o tema da reforma sindical em debate junto ao
Poder Executivo e, principalmente, junto ao Legislativo, mobilizando
trabalhadores e empregadores para essa empreitada.
No
âmbito do Poder Executivo, o governo instituiu o Conselho Nacional do Trabalho
em 2019, órgão tripartite (governo, empregadores e trabalhadores) para debater
questões sindicais e trabalhistas. O governo afirma que enviará, mas não
indica em qual prazo, um Projeto de reforma sindical no qual proporá́ a
instituição dos princípios da liberdade sindical (autonomia e não interferência
do Estado nas organizações).
Por
outro lado, o assunto da reforma sindical também está ativo do Congresso
Nacional. São várias as inciativas de PECs (Proposta de Emenda Constitucional)
que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Mais recentemente,
foi apresentada a Propostas de Emenda Constitucional – PEC 196/2019, apreciada
pela CCJ – Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e
encaminhada para a formação da Comissão Especial para análise de mérito. Essa
Comissão Especial ainda não foi instalada[3].
O
debate está em curso e para pensar o
futuro do sindicalismo brasileiro devemos considerar que:
- As mudanças no mundo do trabalho estão na base do
sistema produtivo brasileiro e afetam a vida dos trabalhadores de maneira
radical. Criam-se novas formas de inserção ocupacional de contratação. Há o
efetivo desafio de representar todos os trabalhadores. - A atual estrutura e organização sindical brasileira
não consegue responder a essa nova dinâmica e organização do mundo do trabalho. - Há um
esgarçamento da relação entre sindicatos e trabalhadores nesse novo mundo que precisa ser enfrentado e
superado, e que foi exacerbado pelo individualismo. - A superação será resultado de uma reestruturação
sindical intencionalmente direcionada para recolocar os sindicatos no centro da
vida dos trabalhadores, como seu escudo protetor e seu meio de expressão como
classe unida e com projetos. - Iniciativas tomadas pelo governo Temer e por Bolsonaro
feriram de morte o sindicalismo brasileiro, pelos limites impostos para a ação
sindical, pela fragilização do poder de negociação e pelo ataque que
desestrutura as formas de financiamento. O definhamento do movimento sindical
está em curso e precisa ser estancado, revertido por uma nova dinâmica de
fortalecimento da representatividade, da agregação e da cooperação. - Há inciativas em curso tomadas pelo Poder Executivo,
Legislativo e Judiciário que consolidam e ampliam esses ataques. - Também ocorre um processo que visa empurrar uma
reforma sindical que poderá implicar em um pluralismo desagregador e
pulverizado da estrutura sindical, com graves riscos de descambar para o
sindicalismo por empresa.
Diante desse quadro, indica-se para o movimento
sindical trabalhar estrategicamente com três cenários básicos, cada um com
iguais chances de ocorrer e, por isso mesmo, com estratégias definidas para
atuar em relação a todos eles.
Cenário 1 – Um sonho: a reforma sindical avança no Congresso com um modelo pactuado entre
trabalhadores, empregadores e parlamentares, e institui um sistema de transição
sindical para um regime de liberdade com regras que favorecem a agregação, a
representatividade, a negociação, a solidariedade e a cooperação. Para esse cenário será preciso um
Plano que combine elaboração propositiva para o sistema sindical, debate na
base, construção propositiva, inclusive com o setor patronal; articulação com
os parlamentares, bancadas de partidos e comissões; debate público
orientado para o convencimento; um projeto de transição pactuado que construa a
reestruturação com base nas novas regras aprovadas. Um debate e projeto que
reposiciona o movimento sindical como instituição essencial da nossa democracia
e que constrói a sua valorização presente e futura. Cenário com baixa
possibilidade até final de 2022.
Cenário 2 – Um pesadelo: a reforma sindical avança com regras que implantam um regime de
pluralismo que pulveriza e fragmenta a representação, enfraquece o
financiamento e concentra a negociação nas empresas. Diante desse cenário será preciso
um plano de resistência buscando impedir o trâmite desse tipo de proposta no Congresso.
Se ocorrer e houver a derrota, será necessário um plano de enfretamento com
projeto de reestruturação nessas bases e de reversão da pulverização e da
fragmentação, etc.
Cenário 3 – A vida como
ela é: nada avança no Congresso, os debates ficam
enrolados ou travados, há pautas prioritárias, ou consegue-se impedir que as
mudanças nefastas avancem travando-se o processo legislativo, etc. O sistema
sindical fica com as regras atuais que enfraquecem o poder dos sindicatos na
negociação e debilitam gravemente seu financiamento. O governo dá continuidade
aos ataques pontuais que fragilizam ainda mais o poder sindical e seu
financiamento, a Justiça colabora com o enfraquecimento sindical. Nesse caso, é
necessário ter um plano de reestruturação ousado, de autorregulação no campo
dos trabalhadores em termos de organização e representação, de corregulação
capital e trabalho para o sistema de negociação e que deve incluir o
financiamento. Para esse plano é preciso ousar construir um “pacto sindical
pela mudança”, no qual durante cinco anos todo o movimento sindical estará
focado em construir a reestruturação sindical, sem criar nenhum novo sindicato,
sem formar oposições, favorecendo fusões e agregações, etc. A unidade na
diferença como visão prática e estratégica de transformação.
- Diretrizes para uma reforma sindical no Brasil
Como dito anteriormente, o debate sobre a reforma do
sistema sindical e de relações de trabalho tem o desafio de responder a duas
ordens de mudanças, a saber: a) às transformações estruturais e disruptivas no
mundo do trabalho promovidas em todo o sistema produtivo, ou seja, criando
novas ocupações, de contratação, de subordinação, novos arranjos das empresas,
novas relações entre empresas e delas com o Estado; b) às iniciativas para
mudanças na legislação e no regramento que rege o sistema de relações sindicas
e de relações do trabalho.
São duas ordens de mudanças que precisam estar
articuladas nos projetos que alteram o sistema sindical, assim como considerar o
contexto político situacional presente no país no período de mudança. No caso presente
do Brasil, o contexto é de um governo que, sistematicamente, afirma e atua para
restringir o poder dos sindicatos, limitar sua capacidade de contratação e ferir
de morte sua capacidade de financiamento. Se as duas ordens de mudança são
imperativos estruturais de grande complexidade e que exigirão respostas da
mesma magnitude, o contexto situacional brasileiro reserva uma adversidade dura
e uma insegurança quase absoluta quanto aos valores e as intencionalidades que poderão
reger os processos legislativos.
Por isso mesmo, parte do movimento sindical tem
procurado estabelecer diálogo de alto nível com o setor empresarial e suas
organizações sindicais, bem como com os parlamentares, com vistas a promover um
debate legislativo assentado nos desafios acima indicados, assim como
promovê-lo em ambiente de diálogo social orientado pelos princípios da boa fé e
do interesse de gerar avanços, para que o sistema sindical promova relações
compatíveis com um desenvolvimento econômico e social de alta qualidade.
Identifica-se a adversidade do momento para fazer
esse tipo de mudança, a insegurança
em alterar nesse contexto uma regra constitucional – o Artigo 8º, a necessidade
de ter propostas convergentes no contexto do processo legislativo avançar, as
diferenças de posicionamento frente ao aspecto da unicidade sindical (um único
sindicato na mesma base), da liberdade sindical (possibilidade de pluralidade e
pulverização sindical) e das formas de financiamento sindical (somente sócios ou
todos os beneficiados pelos acordos e convenções coletivas).
Sistematizamos abaixo aspectos e propostas que estão
pautando os debates articulados pelo Fórum das Centrais Sindicais, desde 2019,
e que podem orientar a atuação e intervenção sindical dos trabalhadores.
- Fundamentos
- A
reestruturação do sistema de representação sindical, se vier a adotar o
princípio da liberdade sindical como define a Convenção 87 da OIT, deve ser
orientada para um tipo de liberdade de organização que estimule a unidade dos
trabalhadores e favoreça maior agregação sindical. - Uma
reforma deve ser orientada para regras que levem à ampliação da
representatividade do sistema sindical brasileiro. - O
sistema sindical deve organizar-se para promover relações entre trabalhadores e
empregadores no sentido de fortalecer e favorecer a negociação coletiva em
todos os níveis e abrangências. - Há
que se criar instrumentos e procedimentos que conduzam à solução ágil dos
conflitos individuais e coletivos no âmbito trabalhista. - Autonomia
para empregadores e trabalhadores instituírem, regularem e manterem a estrutura
sindical e o sistema de negociação coletiva, suas regras de funcionamento, a
forma de organização sindical e sua sustentação, os critérios e métodos de
aferição da representatividade, a negociação e seus instrumentos de celebração
de compromissos e de solução de conflitos. - O
sistema sindical e de relações de trabalho deve garantir o direito de
negociação coletiva para os servidores públicos no âmbito do direito
administrativo. - Um
projeto de mudança deve estar lastreado em um plano/processo de transição da
atual para a futura estrutura sindical e sistema de negociação coletiva,
assentado na cultura e na história das organizações, favorecendo o seu
engajamento no processo de transformação. - O
sindicato deve continuar sendo a base do sistema sindical brasileiro; as
federações e confederações são instâncias de agregação de grau superior; as Centrais
Sindicais instâncias de máxima agregação. - A
organização no local de trabalho é voluntária e regulada pelas partes
interessadas.
- Organização sindical
- Se
for adotada a livre associação sindical (alteração do artigo 8º da
Constituição), trabalhadores e empregadores têm autonomia frente ao Estado para
se organizarem sindicalmente e estabelecerem regras e procedimentos para as
relações de regulação laboral. - As
entidades sindicais adquirem personalidade jurídica com o registro civil, sem
mais necessidade da autorização do Estado. - O
sistema sindical poderá ser constituído por sindicatos, federações, confederações,
Centrais Sindicais e suas organizações intermediárias. - As
entidades sindicais serão organizadas por setor ou ramo de atividade econômica
e não inferior ao município. - A
representação sindical dos trabalhadores nos locais de trabalho é voluntária e será
regulada entre as partes interessadas. - A
contribuição dos sócios às entidades sindicais será definida em seus estatutos
e recolhida em folha de pagamento. - A
contribuição negocial (ou contribuição solidária do não sócio) será definida em
assembleia e devida por todos os abrangidos pelo instrumento coletivo (sócios e
não sócios), observados os limites fixados em lei, ou pela entidade nacional de
regulação, e devida às entidades representativas.
- Representatividade
- A
representatividade da entidade será aferida observando-se a razão entre o
número de sócios efetivamente contribuintes e ativos em relação ao total de
trabalhadores ativos no âmbito de representação (sócios e não-sócios do
sindicato). - A
entidade mais representativa (ou as mais representativas, a partir de uma linha
de corte) terá o direito de representação do total de trabalhadores ativos no
âmbito da negociação/base de representação. - A
representação de todos os trabalhadores abrangidos no âmbito de negociação se
dará pelas entidades que obtiverem taxa de representatividade igual ou superior
a X% no âmbito de representação. O período de transição deverá prever o
escalonamento temporal e progressivo da taxa de representatividade. - A
entidade sindical mais representativa poderá obter a exclusividade de
representação ou para o exercício sindical se os trabalhadores abrangidos pela
negociação assim deliberarem por maioria, em consulta estruturada (plebiscito e
outros meios). A exclusividade terá limite temporal e poderá ou não ser renovada. - A
representatividade será aferida periodicamente.
- Negociação coletiva
- As
entidades sindicais passarão a integrar o sistema de negociação coletiva se ao aferirem a representatividade
atingirem o percentual mínimo de sindicalização. - Os
acordos e convenções, celebrados em negociação por entidades sindicais
representativas, depois de aprovados pela maioria dos trabalhadores, atingirão
todos os abrangidos no âmbito de representação, independente de filiação
sindical. - Quando
houver mais de uma entidade representativa no âmbito de representação, a mesa
de negociação será única e com a representação unitária de todas as entidades
que atingirem a representatividade, sob a coordenação da entidade sindical mais
representativa. - Será
mantida a vigência dos acordos ou convenções coletivas de trabalho no período
das negociações coletivas, em prestígio à boa fé e à segurança jurídica das
partes. - Desenvolver
sistema de mediação e arbitragem privada e/ou pública, sem poder normativo.
- Regulação
- Criar
entidade nacional de regulação da estrutura sindical e do sistema de negociação
coletiva que terá representação bipartite e paritária (empregadores,
trabalhadores). - A
entidade nacional de regulação será constituída por um Conselho bipartite e
paritário e duas Câmaras (de trabalhadores e de empregadores) com atribuições
específicas. - Cabe
ao ente de regulação: aferir a representatividade (definir método de aferição);
estabelecer normas específicas para o sistema de relações sindicais e de
negociação coletiva funcionarem; regulamentar de maneira complementar o custeio
sindical; criar câmaras de solução de conflitos que envolvam disputas
intersindicais; criar procedimentos para verificar e coibir práticas
antissindicais. - Definir
forma de financiamento da entidade nacional de regulação (x% da receita oriunda
dos trabalhadores e empregadores).
- Servidores Públicos
- O
fundamento geral é a Convenção 151 da OIT que trata do direito de negociação
coletiva para os servidores públicos. - No
caso dos servidores públicos, deve-se considerar como referência o Projeto de
Lei 397/2015, de autoria do Senador Antônio Anastasia, que “estabelece normas
gerais para a negociação coletiva na administração pública direta, nas
autarquias e nas fundações públicas dos poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios”.
- Papel do Estado
- Manter
o Conselho Nacional do Trabalho como órgão tripartite de diálogo social para
tratar das questões do mundo do trabalho. - Justiça
do Trabalho: atuar com mediação e arbitragem, individual ou coletiva, sempre
que demandada pelas partes interessadas. - Promover
políticas públicas de emprego, trabalho e renda, de proteção social, laboral e
previdenciária.
- O que deve constar nas disposições constitucionais
transitórias (ADCT)
- Aprovada
a PEC, deve ocorrer a instituição do ente bipartite e paritário de regulação em
90 dias. - Preservar,
por um período de 3 anos (ou X anos), as prerrogativas das atuais entidades
sindicais para que se prepararem para a primeira mensuração da representatividade.
- O futuro: para um Pacto InterSindical pela Mudança
Indicam-se a seguir algumas
diretrizes que podem compor estratégias de mudança na perspectiva da reorganização
do sistema sindical brasileiro.
- O jovem trabalhador do futuro
O primeiro aspecto de uma estratégia de
reestruturação sindical é a promoção de um amplo processo de participação dos
jovens – trabalhadores e trabalhadoras com menos de 30 anos de idade – na vida
sindical, como ativistas, militantes e dirigentes.
Essa participação sindical da juventude
que está presente no mundo do trabalho tem por objetivo realizar um esforço
inovador de formulação propositiva para colocar paradigmas alternativos aos
dominantes. A aposta é que será necessário pautar a sociedade para debates
deliberativos sobre o futuro das múltiplas dimensões da vida e das formas de
produzi-la. O desafio será – como já foi no passado – mobilizar a sociedade
para a construção de outro mundo possível e melhor, orientado pelos princípios
da igualdade, liberdade e solidariedade, por uma utopia que mobilize corações e
encoraje a luta.
Esse movimento emergirá se aqueles que
vivem e produzem com o seu trabalho o novo mundo decidirem mudar a trajetória
em curso. Os jovens de hoje serão a força de trabalho dominante nas três
próximas décadas, período no qual essas desafiadoras e decisivas mudanças e lutas
serão processadas e travadas. É o mundo futuro em construção e o futuro do
mundo em disputa, que a juventude pode prospectar como seu, caso se coloque em
ação como sujeito coletivo. São as condições de trabalho precárias que dominam
o seu mundo que precisam ser radicalmente alteradas. São esses trabalhadores,
jovens, que deverão formular a agenda com as propostas e as formas das lutas
para enfrentar as questões-problemas-desafios que para eles, desde já, estão
postos.
Cabe à juventude ocupar espaços, assumir
seu protagonismo e, com ousadia, correr riscos. A audácia para questionar as
verdades que se colocam como definitivas também exige irreverência. Os jovens,
na plenitude da vida que irrompe, têm o desafio de prover um olhar inovador
sobre a realidade, imaginar outro mundo e a forma de promover as mudanças nos
novos contextos políticos. Não estarão sozinhos, pois estaremos juntos. O
importante é ter a clareza de que não se pode fazer por eles e nem para eles
essa luta. O que podemos, e devemos, é lutar juntos.
A juventude está desafiada a descobrir que
o futuro lhe pertencerá, efetivamente, se for capaz de se fazer presente nas
lutas. Será em parte a sua capacidade de intervenção criativa, irreverente,
provocativa e ousada que obrigará toda a sociedade a mudar. O sindicato
renovado é o espaço político para que essa descoberta histórica das novas
gerações ocorra.
O sindicato renovado
não é uma estrutura que se moderniza para se preservar como tal, mas sim uma
organização que se renova a partir da compreensão do que desejam os
trabalhadores e as trabalhadoras e de como querem realizar suas lutas e
formalizar sua solidariedade e cooperação. A estrutura deve mudar para ser a
ferramenta e o instrumento de organização e luta dos trabalhadores nesse novo
contexto, considerando as múltiplas formas de inserção ocupacional e de
contratação.
O sentido da
reestruturação é gerar capacidade cognitiva e política para fazer da estrutura
sindical um patrimônio social, cultural e político que se coloca a serviço da
classe trabalhadora que surge nesse novo mundo do trabalho. A estrutura “se
esconde” para ser descoberta.
O desafio está em, efetivamente, abrir espaço
para os jovens pensarem as estratégias de mobilização, planejarem as ações e
atuarem em sua execução. Desenvolver uma ação inovadora no espaço da formação
técnica e universitária dos jovens, seja articulando a ação estudantil com o
trabalho sindical, seja oferecendo serviços para o jovem planejar sua vida
profissional, conhecendo os desafios que estão postos e formulando propostas e
projetos.
A presença da juventude no meio sindical deve
indicar as novas formas de organização adequadas à sua dinâmica de vida, às
formas de comunicação, à maneira de debaterem e ao jeito de deliberar. Esse
novo modo de viver e de se colocar diante da vida que a juventude mobiliza,
precisa ocupar espaço no sindicalismo e ser uma força propulsora da mudança que
possibilite que o sindicato se coloque como espaço e instrumento a serviço das
suas lutas e projetos.
- O movimento
A dinâmica a partir da qual se desenvolve
e se organizam as lutas sindicais deve conter a intencionalidade de colocar os
trabalhadores em movimento. A estrutura deve ser considerada como um
instrumento a serviço da promoção do movimento e da organização das lutas. A
reestruturação sindical deve criar as condições organizativas para colocar os
trabalhadores presentes nos novos contextos ocupacionais em movimento de luta.
É a partir da necessidade e condição de se
colocar em movimento que as pessoas desenvolvem a consciência sobre as
realidades, sobre o que são os conflitos sociais e suas origens, descobrem valores
que devem presidir outro projeto de sociedade e os caminhos para as mudanças
sociais. Ao se colocam em movimento, debatendo, fazendo greves ou paralisações,
protestando, investindo na formação e na organização, enfrentando adversidades,
resistências e oposição, os trabalhadores vão se dando conta sobre a complexidade
da realidade e dos desafios que se colocam para os processos de disputas.
O sindicalismo é uma longa construção de quase
dois séculos, período no qual os trabalhadores, colocados na condição de
subordinação em relação ao capital/empregador, passaram a se associar, reunir-se
solidariamente para constituir força social, para enfrentar e mudar as
condições laborais, reduzir a jornada e melhorar os salários e as condições de
vida. As marchas, greves, manifestações e enfretamentos foram capturados e
expressos pela arte em fotografias, filmes, poesia, música, literatura e
pinturas, que registram a história e denotam o movimento.
O movimento operário transforma a
reivindicação dos assalariados em demanda por direito trabalhista e social,
criando suas instituições para organizá-los e colocá-los em ação, ou seja, os
sindicatos.
Em alguns casos o tempo fez os sindicatos
esquecerem que o movimento está na sua essência. A burocratização é um mal que acomete
muitas instituições, inclusive os sindicatos.
Reestruturar o sindicalismo a partir do
movimento é dar prevalência às lutas a partir das quais se pensa as formas de
organização, de estruturação dos recursos e de formação sindical dos ativistas.
Pensar a partir do movimento é organizar uma gestão flexível e ágil, capaz de
uma leitura sofisticada da realidade em tempo real para instruir escolhas
estratégicas adequadas. Significa investir na produção de uma inteligência que
planeja as lutas no contexto da interação com o outro, sejam adversários ou
inimigos. Pensar a partir do movimento é desenvolver um estado de atenção, de cuidado
com a interação, com observação sobre o outro, ambiente de confiança na diferença,
tolerância com os tempos e as formas de engajamento, é dar a oportunidade do
acaso, do inédito e saber tratar com o imprevisível.
- Representar a todos
A atual
estrutura sindical não é capaz de produzir proteção para todos os trabalhadores presentes no mundo do trabalho. Isso tem que mudar!
Há os trabalhadores assalariados com
registro em carteira de trabalho e os servidores públicos que estão, em sua maioria,
sindicalmente protegidos, mas que enfrentam crescente processo de fragilização
dessa proteção. As ações dos governos Temer e Bolsonaro atuaram para romper os
vínculos sindicais entre trabalhador e sua entidade.
Há também o assalariamento ilegal, sem
registro em carteira de trabalho, o trabalhado autônomo, ou por conta própria,
e os trabalhadores domésticos, que compõem a heterogeneidade da estrutura
ocupacional. Novas formas de contratação – trabalho intermitente, tempo parcial,
temporário, prazo determinado, autônomo exclusivo, “uberizados”, terceirizados,
“pejotas”, jornadas de trabalho parciais com múltiplos empregos por
trabalhador, rotatividade, fim de ocupação e profissões, entre outros aspectos,
tornam a dinâmica do mundo do trabalho ainda mais complexa. Com raras exceções,
esses trabalhadores não contam com proteção sindical formal, real e efetiva. Insisto,
isso precisa mudar!
Nesse
novo mundo do trabalho as pessoas terão ao longo da vida dezenas de inserções ocupacionais, em múltiplas formas de contratação e suas
habilidades e profissões sofrerão mudanças radicais.
As tecnologias permitem ampliar as
ocupações no setor de serviços. A inserção ocupacional dos membros da família
transforma os cuidados com crianças, doentes e idosos em um serviço econômico
que se expande, assim como os serviços de entrega de alimentos e de compras no
comércio, entre tantos outros casos. As pessoas ocupadas circulam sem um local
fixo de trabalho e, muitas vezes, têm mais de um emprego ou ocupação.
A desproteção sindical já é maior do que a
força de trabalho protegida e tende a crescer.
O sindicalismo está desafiado a se
reestruturar para ser o movimento de todos os trabalhadores e de todas as
trabalhadoras inseridos nessa diversidade ocupacional. Isso implicará em
construir uma agenda múltipla de demandas e de lutas, bem como imaginar novas
formas de organização, elaborar propostas de solução para problemas que são inéditos
para a agenda sindical clássica de assalariados e de servidores públicos.
Nesse desafio ganha força a concepção de
um sindicalismo dos trabalhadores que a todos reúne e une. Um tipo de sindicato
que constrói bandeiras de luta unitárias e de todos os trabalhadores. Pode ser organizado
por setor ou ramo, como o sindicato dos trabalhadores da indústria, o sindicato
dos trabalhadores do comércio, o sindicato dos trabalhadores dos serviços, o
sindicato dos trabalhadores da agricultura, o sindicato dos servidores
públicos. Cada um organizado em uma rede sindical que garanta a presença nos
locais de trabalho e nos locais de moradia. Pode-se pensar que uma rede de
sindicatos locais é articulada por Federações de unidades locais, uma Confederação
ou mesmo dar liberdade para se pensar outras engenharias organizacionais. Do
local até o nacional a articulação de um sindicalismo de todos os
trabalhadores.
Para esse novo mundo do trabalho e para o
desafio de representar a todos, as categorias vão perdendo sentido e precisam
ser superadas do ponto de vista organizativo. Assim como a condição de
assalariado contratado por um patrão empregador não é mais a condição para ser
um trabalhador sindicalizado.
São os trabalhadores, em suas mais
variadas formas de inserção ocupacional, a base geral da organização e
representação sindical a ser criada. Se o trabalhador está ocupado no setor industrial,
ele será representado por um sindicato dos trabalhadores da indústria, seja um assalariado, terceirizado, “pejota”,
autônomo exclusivo, intermitente, etc. Não importa qual o contratante ou sua
condição ocupacional, todos terão a mesma proteção sindical para promover, para
a condição ocupacional específica, a proteção condizente.
Isso requererá um ousado projeto de transição
da atual estrutura sindical para uma nova abordagem. Esse movimento, aliás já começa
a surgir em alguns países.
- A agregação
O desafio de representar a todos deve
conduzir a um movimento estruturante de agregação sindical intencionalmente
direcionado para uma presença organizativa em todo o território, desde os
sindicatos locais, articulados em rede por Federações/Confederações, e reunidas
em Centrais Sindicais.
A agregação em uma estrutura unitária visa
superar a fragmentação de categorias que hoje desagregam a organização e a
representação. A agregação requererá um movimento pactuado politicamente de
articulação sindical, visando novas formas de cooperação efetiva que caminha
para processos de fusão progressivos.
O sucesso depende, em parte, de um bom
projeto de transição, no qual todos se sintam confortáveis e seguros para
conduzir as mudanças.
É fundamental construir o processo de
agregação como uma resultante das demandas das bases dos trabalhadores, o que
exige recolocar a centralidade da solidariedade e cooperação como estruturantes
do movimento sindical, bem como a exigência de formas organizativas coetâneas
com os desafios que estão postos.
- O local de trabalho
Desenvolver
a organização sindical para estar presente nos locais de trabalho continuará a
ser um desafio do sindicalismo. A depender do âmbito das negociações e das
formas de tratar dos conflitos, a organização sindical no local de trabalho
pode ganhar protagonismo sindical relevante, assim como a constituição de redes
sindicais por empresas, nacionais e internacionais.
As questões associadas à saúde do trabalhador
ganharão muito destaque e podem ser um assunto que leve os sindicatos a uma
presença mais assídua nos locais de trabalho, por exemplo.
O uso do APP Sindicato pode ser um meio de
colocar em tempo real o local de trabalho conectado com uma central sindical de
atendimento. Portanto, há novas maneiras de chegar ao local de trabalho.
- O local de moradia
Deve-se considerar, entretanto, que o
local de trabalho pode ser difuso ou inexistente. Talvez hoje grande parte da força
de trabalho já não possua um local fixo ou conhecido de trabalho. Muitos circulam
sem parar, outros tem uma inserção individual em unidades familiares ou em prédios/condomínios
residenciais ou comerciais, outros trabalham a partir de casa (home office ou
teletrabalho), ou em casa em micro unidade industrial, ou mediados por
aplicativos ou plataformas, etc.
Por isso, o local de moradia passa a ser
um referencial estratégico de contato organizativo das trabalhadoras e dos
trabalhadores, assim como as condições de vida e moradia interferirão
diretamente nas condições de trabalho.
Grande parte da agenda de proteção social
desses trabalhadores será produto de políticas públicas de seguridade,
previdência, saúde, educação, transporte, entre outros, que precisam ser
apresentadas e mobilizadas as pressões necessárias para entrar na pauta de
debate deliberativo.
O sindicalismo do futuro se ocupará tanto das
condições de trabalho, como das condições vida e terá uma articulação, ou
integração, muito forte com os movimentos populares e sociais a partir dos locais
de moradia.
Diante disso, uma proposta ousada é
organizar a presença sindical nos bairros de forma a permitir que os
trabalhadores tenham uma unidade/centro sindical de referência. Essa presença
pode ser a de máxima agregação – uma unidade sindical capaz de agregar e atender a todos os trabalhadores e
todas as trabalhadoras.
Nesse sentido, coloca-se o desafio de um
projeto de reestruturação patrimonial de todo o movimento sindical, articulado
a partir de uma presença territorial estrategicamente posicionada. Esses centros
de referência sindical devem ser estruturados para serem espaços de encontro,
nos quais se desenvolva a cultura sindical em sentido amplo, com festas, arte,
esporte e múltiplos serviços sindicais oferecidos aos trabalhadores, além de
espaço para as múltiplas atividades organizativas, de formação e de debates.
Esses espaços podem vir a oferecer serviços articulados às políticas públicas
como o seguro-desemprego, a intermediação, a formação profissional, a orientação
vocacional, entre outros, ou os mais variados serviços que o movimento sindical
pode oferecer aos trabalhadores.
A gestão dessa rede sindical nos bairros
pode ser pensada com gestões descentralizadas, mas articuladas em rede, com
metas e formas de administração profissionalizada e atuação sindical orientada
por princípios pactuados.
Para os trabalhadores autônomos e por
conta própria há um conjunto de serviços de apoio a estruturação e sustentação
da sua atividade laboral, tais como: o acesso e os cuidados com patrimônio
envolvido na atividade (por exemplo a bicicleta, moto, carro, etc.) que inclui
seguro, cálculo de depreciação e investimento na renovação/troca, consertos,
manutenção, renovação, organização das finanças da atividade, manutenção das
responsabilidades formais e legais; cuidados com a proteção pessoal com a
saúde, acidente e previdência social; responsabilidades com a contratação de
pessoas, etc.
Também neste caso, um dos desafios é usar
a tecnologia em suas várias dimensões como um recurso aliado para o
desenvolvimento da cultura e das atividades sindicais. De um lado, o sindicato
pode se apresentar e se expressar por meio de um aplicativo, oferecendo
informações e serviços sindicais, bem como o APP pode ser a base de articulação
sindical, organização dos trabalhos e de comunicação. Também por meio de
aplicativos, é possível desenvolver programas de formação sindical, processos
de consulta e de deliberação podem ser organizados.
- A proteção sindical e social
A proteção sindical, em parte, continuará derivada
de convenções e de acordos coletivos produzidos por meio de negociações
coletivas. Será preciso definir quais entidades serão representativas ou
construir entidades representativas para os âmbitos de negociação, que poderão
ser nacionais, setoriais e locais, todos articulados e integrados, a depender
da estratégia sindical autônoma de reestruturação, do modelo de sistema de
relações de trabalho ou do que a legislação vier a indicar.
Mas a proteção sindical também deverá ser
produzida na mediação com o Estado (municípios, estados e União), constituindo
formas de gerar proteção laboral e social para os trabalhadores inseridos em
outras formas de ocupação. Seguro de vida e saúde diante de acidentes de
trabalho, afastamento por doença ou maternidade, aposentadoria, formação
profissional, orientação para a gestão da atividade econômica, crédito, seguro
de vida, financiamento, gestão dos recursos de trabalho autônomo, serviços de
apoio, etc.
A formulação das demandas em pautas, as
propostas, as formas de luta e a negociação têm dinâmicas e processos
diferentes daqueles presentes nas relações de assalariamento.
- O empregador oculto
Um outro desafio do sindicalismo será lançar
luz sobre muitas relações laborais que estão intencionalmente ocultas ou
realizadas por sujeito indeterminado, seja por meio de terceirizações as mais
variadas, quarteirizações e outras forma de subcontratação; mediações
realizadas pelos aplicativos e plataformas; o trabalho criativo compartilhado
em redes, entre outras possibilidades que se criam a cada dia. Será um grande
desafio revelar os empregadores ocultos nas relações econômicas de produção e
de trabalho subordinado, imputar-lhes responsabilidades formais, estabelecer
processo de enfrentamento e de negociação. As formas de responsabilização
poderão gerar outros meios de proteção sindical e social, bem como novas formas
de organização, representação e de contribuição para o financiamento sindical.
- Empregabilidade
Transferir para o trabalhador
individualmente a responsabilidade pelas suas condições materiais e sociais de
trabalho e de ocupação, bem como culpá-lo por sua condição de desempregado ou
desocupado, responsabilizando-o pela sua empregabilidade – termo cunhado para
justificar a desemprego estrutural decorrente da inovação ou do baixo
crescimento ou da recessão – é missão permanente dos difusores da ideologia
dominante neoliberal. O desafio sindical é dar a essas pessoas possibilidades,
oportunidades e condições concretas de enfretamento e propiciar-lhes a
possibilidade de dar a volta por cima. Para isso, será preciso formular
abordagens que apresentem o diagnóstico da situação problema do desemprego,
transforme-a em um desafio a ser enfrentado e superado, bem como invista na
formulação propositiva de novos caminhos.
Esse movimento leva as pessoas a pensarem
que elas são uma unidade humana única e responsável pelo seu sucesso e pelo seu
fracasso. Conduz também à exacerbação do individualismo contra as formas de
ação coletiva, ao desconhecimento da responsabilidade das empresas, do Estado,
das políticas públicas. Enfim, sem vínculos, sem Estado, sem política pública,
sem o outro, cada um é um caso de sucesso ou de fracasso enredado em si mesmo,
como um capital humano ou um recurso humano. Trata-se de uma mentira bem
contada e que ganha o encanto da meritocracia, da exacerbação do poder do indivíduo,
do menosprezo das formas associativas e colaborativas, do desconhecimento dos
incrementos da produtividade e dos meios de concentração dos resultados em
termos de renda e riqueza. Dessa forma se despolitiza a distribuição do
resultado do trabalho coletivo e as formas de lutar pela sua justa repartição e
se reduz a pessoa a uma forma de capital
ou a um recurso. O sindicalismo está desafiado a recolocar a centralidade do
enfrentamento dessa questão na luta social.
E quando advém o fracasso? A falência do
pequeno negócio; o desemprego; a demissão; a multa; o confisco; o roubo; o
acidente; a doença; o infortúnio? Desespero, desconsolo, desânimo, depressão,
desatino tomam conta da vida. O sindicato deve criar processos para que os
trabalhadores e as trabalhadoras evitem, resistam, enfrentem e superem essas
questões com iniciativas inovadoras e luta coletiva.
O empreendedorismo é outro conceito que
joga no colo do desempregado ou do jovem iniciante no mundo do trabalho a
responsabilidade de fazer individualmente o próprio negócio, construir o seu
sucesso ou justificar o seu fracasso. Ser empreendedor faz parte do jogo
social, está inserido em uma institucionalidade e com suas regras, exige
suporte e apoio do Estado (assistência, formação, crédito, infraestrutura, etc.),
cultura de cooperação para pensar formas inovadoras e coletivas de produzir,
formas de solidariedade para gerar proteção coletiva, etc. Elementos que o
sindicalismo pode oferecer para esses trabalhadores e trabalhadoras.
- Sindicatos e serviços
Para atender a diversidade de demandas dos
trabalhadores, a prestação de serviços é uma das atividades para as quais o
sindicato pode constituir formas efetivas e custos adequados.
Em todo o mundo a prestação de serviço é uma
forma de se ter adesão dos trabalhadores ao sindicato e um meio de complementar
seu financiamento. Mas há um serviço diferenciado: o sindicato é uma conexão permanente,
uma oportunidade de encontro.
Conectados em tempo real, com tudo e
todos, as pessoas vivem sozinhas e isoladas, sem convívio social, com
dificuldades de estabelecer e sustentar relacionamentos. O sindicato organizado
no bairro e no local de trabalho deve se colocar como espaço de encontro e de
construção de uma sociabilidade fundada nos valores que lastreiam a vida
coletiva, como a solidariedade e a cooperação.
- Financiamento e reorganização patrimonial
Seria muito importante que fosse organizado
um serviço profissionalizado para:
- formular planejamento por projetos
estratégicos e de organização do trabalho coletivo; - orientar processos de reorganização
patrimonial; - tornar os ativos patrimoniais meios de
sustentação da atividade sindical; - dar eficiência ao patrimônio pelo melhor
uso; - elaborar projetos de compartilhamento de
estrutura, equipamentos, serviços, etc. - elaborar projetos de cooperação para
ampliar a base sindical e ampliar a filiação; - promover uma ação permanente de filiação
como base de um projeto organizativo.
Além das mensalidades dos associados, os
sindicatos poderão ser financiados pelo serviço de contratação coletiva e
proteção social por todos os trabalhadores beneficiados pelo bem público e
coletivo, que é o acordo ou a convenção coletiva. Será preciso criar uma
abordagem que relacione a extensão voluntária dos direitos conquistados pelos
acordos/convenções coletivas, com o financiamento solidário dos beneficiados
pelos diretos pactuados.
- Comunicação
Uma
dimensão fundamental da reestruturação é o desenvolvimento de um projeto inovador
e ousado de comunicação sindical com os trabalhadores e a sociedade.
Um projeto de comunicação deve ser
concebido a partir das oportunidades que as novas tecnologias oferecem, conexão
em tempo real sem cabeamento, integrando dados, som e imagem. TV, rádio e
jornal podem ser produzidos e potencializados. A integração da rede sindical de
comunicação com as demais redes pode ser promovida. A produção de conteúdo de
qualidade, com segurança e credibilidade é um ativo que ganhará cada vez mais
valor em um mundo que expande a mentira intencionalmente produzida para
domesticar ou dirigir a massa.
A reestruturação do sindicalismo do futuro
inclui um projeto estratégico, ousado e inovador de comunicação.
Organizar, com as tecnologias disponíveis
e o conhecimento das ciências sociais, a memória das lutas sindicais é um
projeto de conexão com o futuro assentado na experiência. Essencial para gerar
conteúdos para a comunicação.
Organizar um sistema de base de dados
compartilhados pode ser um instrumento valioso para uma nova organização
sindical.
- Serviço de Pesquisa, Educação e de Assessoria
A produção de conhecimento é elemento
essencial para a qualidade da ação sindical. O movimento sindical brasileiro
foi sábio ao criar, manter e investir no DIEESE como organização intersindical unitária,
que adquiriu credibilidade na produção de pesquisas e estudos técnicos, na
promoção de educação formal e formação sindical por meio da Escola DIEESE e na
realização de assessoria, em especial, para as negociações coletivas.
Há um espaço institucional que nos últimos
anos tem se destacado para o movimento sindical voltar sua atenção. Trata-se das
Casas Legislativas e o papel que a disputa sobre as regras do jogo social
passou a ter por meio da legislação. Neste caso, será fundamental, a partir da
expertise do DIEESE e do DIAP, juntamente com as assessorias sindicais já
existentes, elaborar um serviço sindical de atuação parlamentar, com o objetivo
de ganhar qualidade e profissionalismo em defesa e promoção de interesses dos
trabalhadores.
- A pauta sindical do futuro que começa hoje
Nesse processo de profundas mudanças
tecnológicas, organizacionais e patrimoniais
que impactam profundamente o mundo do trabalho, há uma agenda que ganhará
relevância, com temas como:
- Redução da jornada de trabalho com
melhoria dos salários. Que tal projetar uma jornada de 10 horas por semana com
uma boa remuneração? - Impactos da tecnologia no mundo do
trabalho – tecnologia como um bem coletivo para melhorar a condição de trabalho
e de vida de todos, e não uma forma de exclusão ou meio que resulta no aumento da
desigualdade. - Educação e formação profissional (mudança
tecnológica, liberdade, democracia e igualdade). - Flexibilidade de contratação e proteção laboral
ampliada. - Políticas de proteção dos empregos.
- Flexibilidade laboral para empresa e acesso
universal à seguridade social, garantia de renda básica, proteção previdenciária. - Saúde do
trabalhador e doenças emocionais decorrentes do estresse. - Insegurança salarial e rendas básica de
cidadania. - Formas de superar as desigualdades em
termos de igualdade de oportunidade e de condições. - Tributação progressiva e políticas
públicas universais de promoção de igualdade de oportunidades e de condições. - Políticas de igualdade de oportunidades:
educação e formação profissional. - Políticas de igualdade de condições de
vida: habitação, transporte, saneamento, creche, escola em tempo integral,
saúde. - Equilíbrio entre vida laboral e familiar.
- Ocupações de interesse comunitário/emprego
público cidadão para jovens (1º emprego) e idosos. - Cultura, o uso do tempo (ocupação) e
redução da jornada de trabalho. - Mudança climática, emprego e projeto de
desenvolvimento. - Regulação do mercado financeiro,
tributação e desigualdade. - Deslocamentos populacionais (imigração e
migrações). - Novas formas de proteção social e laboral
e seu financiamento. - Produtividade e formas de repartição dos
ganhos. - O poder das máquinas para decidir e
governar.
Essas dimensões, entre outras, devem ganhar
concretude no cotidiano da ação sindical, construindo um campo de conteúdo
significativo capaz de reunir interesses, potencializar a unidade de ação e
encantar a militância para utopias mobilizadoras.
- Por fim, um pacto
Pare enfrentar tudo isso com sucesso é hora de
declarar uma trégua sindical para que as pessoas, as energias e os recursos se
concentrem na promoção das mudanças. Essa trégua não é um tempo de
esquecimento. Trata-se de um tempo de compromisso com a mudança sindical.
A proposta é um Pacto Sindical pela Mudança, um
acordo geral para o qual todas as entidades são convidadas a aderir. Este Pacto
teria os seguintes compromissos, em um prazo de cinco anos, entre outros:
- Nenhuma nova entidade sindical será criada pela
desagregação de categoria. - Nenhuma oposição sindical será encaminhada.
- Todos se envolverão em projetos e processos de
mudança, visando atingir muitos dos objetivos acima tratados. - As mudanças serão processuais, buscando a máxima
participação. - Agregação, representatividade e cooperação serão
fundamentos orientadores dos projetos de mudança sindical.
Se esse Pacto for construído e materializado,
teremos um instrumento político inabalável para promover transformações que
ficarão marcadas na linha do tempo histórico da classe trabalhadora.
Então, a geração futura poderá dizer: eles foram
capazes de fazer o que parecia impossível, porque acreditaram, porque tiveram
competência política, porque estavam movidos pelo interesse dos trabalhadores e
das trabalhadoras e não por seus interesses pessoais ou específicos. Souberam
fazer naquele período mudanças que marcaram a história das lutas dos
trabalhadores desde então. Fizeram da história um outro campo de possiblidades.
[1]
Sociólogo, assessor do Fórum das Centrais Sindicais e consultor sindical. Foi
técnico do DIEESE de 1984 a 2020 e Diretor Técnico de 2004-2020. Foi membro do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CEDES, do Conselho da
Sociedade Civil do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, do Conselho
do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE; é membro do Conselho de
Altos Estudos do TCU.
[2]
Foge ao escopo deste texto o conjunto de transformações de ordem tecnológica,
patrimonial e organizacional em curso na atual fase do sistema capitalista
mundial.
[3]
Até março/21 essa Comissão não havia sido instalada. Os trabalhos dessa
Comissão duram de 10 a 40 sessões (em torno de 3 meses), cujo Relatório, quando
aprovado na Comissão Especial, segue para duas votações do Plenário da Câmara
dos Deputados, seguindo depois para trâmite semelhante no Senado Federal.