Governo federal quer o fim dos conselhos profissionais

Governo federal quer o fim dos conselhos profissionais

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 108/2019, elaborada pelo
governo federal, acaba com a exigência de filiação aos conselhos
profissionais, desregulamentação que poderá levar à extinção dessas
entidades, com consequente perda de qualidade para os serviços prestados
à população em praticamente todas as áreas. “Os conselhos são
importantes para o exercício da profissão e uma segurança para a
sociedade”, alerta o presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado
do Rio de Janeiro (Senge-RJ), Olímpio Alves dos Santos. “Acabar com eles
é uma sandice, estamos regredindo a um quadro de desestruturação
similar ao período da História anterior à revolução de 30.”

Conselhos de Engenharia, Medicina, Farmácia, Química, Contabilidade,
Administração, Psicologia, além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
estão entre os que seriam afetados pela PEC. O texto altera o artigo
174-A da Constituição, ao propor que “a lei não estabelecerá limites ao
exercício de atividade profissional ou obrigação de inscrição em
conselho profissional”. Na prática, a medida levaria a uma redução
significativa da arrecadação em anuidades – fonte de receita dos
conselhos –, inviabilizando o trabalho de regulação e fiscalização das
respectivas atividades. 

O Sistema Confea/Crea, responsável por regulamentar e fiscalizar o
exercício profissional da Engenharia, Agronomia, Geologia, Geografia e
Meteorologia, conforme prevê a Lei Federal 5.194/1966, divulgou um
posicionamento oficial contra o projeto — DISPONÍVEL AQUI.
No texto, a entidade observa que, atualmente, o Confea é responsável
por guardar milhares de certidões de mais de 980 mil profissionais
registrados, e que, em 2018, milhares de ações de fiscalização foram
realizadas pelos 27 Creas, garantindo a segurança da coletividade.
“Desregulamentar todas essas atribuições, como propõe a PEC nº 108/2019,
é atentar contra o interesse da sociedade, considerando que a proposta
passa a caracterizar os conselhos profissionais como pessoas jurídicas
de direito privado, e não de direito público, eliminando assim os
poderes de fiscalização atribuídos por lei. Além disso, desobrigar os
profissionais da inscrição em seus respectivos conselhos é apostar na
desordem a um custo econômico e social muito alto. Se hoje já existe uma
desvalorização das atividades técnicas em nosso país, com o fim desses
órgãos, haverá uma precarização dos serviços, e a insegurança será
generalizada.”

Salário Mínimo Profissional
O presidente do
Senge-RJ observou que, embora o sindicato possa representar na Justiça
profissionais que queiram acionar empresas por desrespeito ao Salário
Mínimo Profissional, como tem feito, é o Conselho Regional, no caso o
Crea-RJ, que tem atribuição legal para fiscalizar a prática junto aos
empregadores, podendo solicitar informações de folha de pagamento ou
outras. 

“O Senge-RJ não tem a qualificação para fazer essa fiscalização”,
explica Olímpio. “O sindicato só pode entrar com ação na Justiça por
demanda do profissional. Não temos autoridade jurídica para chegar na
empresa e pedir para ver os salários dos profissionais. Mas o Conselho,
sim.”

Além disso, a existência de uma instância de fiscalização da formação
técnica dos engenheiros é uma forma de reduzir o alcance da ação de
profissionais antiéticos ou despreparados. Sem esse papel regulador,
poderiam ser muito mais frequentes, avalia o presidente do Senge-RJ,
casos como o do desmoronamento dos prédios na Muzema, na Zona Oeste da
capital, que provocou a morte de 24 pessoas em abril deste ano. 

A função dos conselhos é submeter os profissionais a uma série de
exigências éticas e técnicas, definidas em leis e em regulamentos
próprios. Os órgãos têm poder para instaurar processos disciplinares na
apuração de responsabilidades e, se necessário, aplicar penas de
suspensão e até de exclusão de membros de suas respectivas categorias.
Eles também fiscalizam estabelecimentos comerciais em que os
profissionais atuam, podendo impor sanções e obrigações.

O compromisso social dos profissionais com o país foi destacado
durante a  Plenária nº 1.500 do Sistema Confea/Creas, em Brasília, onde a
PEC também foi debatida. “Nunca na história do Sistema Confea/Creas
fomos tão convocados a defender a engenharia nacional”, disse Giucélia
Figueiredo, engenheira e diretora da Federação Interestadual de
Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e da Mútua. “Vivemos um momento que
somos convocados pelos profissionais e pela sociedade brasileira para
defender, cada vez mais, um projeto de nação que dialogue com os anseios
legítimos de uma engenharia nacional vinculada à melhoria de qualidade
de vida do nosso povo.” A engenheira foi a primeira mulher a assumir a
presidência do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Paraíba
(Crea-PB).

Negociação no Congresso
O presidente da OAB,
Felipe Santa Cruz, reuniu-se no início desta semana no Ministério da
Economia para discutir os efeitos críticos da PEC. Segundo ele, foi
acertado que será feita uma nova redação para o proposta, construída em
conjunto com representantes dos profissionais e parlamentares. Em nota
divulgada contra a PEC, a OAB afirma que “a proposta ceifa um dos mais
importantes instrumentos de defesa da sociedade na fiscalização
profissional, com o claro e único propósito de engessar e silenciar as
entidades.” 

Segundo o texto, a PEC 108 tem por objetivo enfraquecer um órgão que
atua como um “anteparo à força desproporcional do Estado e dos grupos
detentores de poder efetivo contra o cidadão comum, individual ou
coletivamente”. Também significa “a tentativa de desmonte de todo um
sistema que zela pela qualidade da advocacia. A Ordem é responsável por
uma rede protetiva para os advogados, que hoje sofrem as consequências
da grave crise econômica que atinge o país – e que não dá sinais de
trégua. Da mesma forma, a PEC 108 busca atingir um dos maiores
mecanismos de fomento da excelência profissional, que é o Exame de
Ordem. Diante da multiplicação sem precedente dos cursos de graduação em
Direito, nem sempre amparados nos devidos parâmetros de qualidade, o
exame é hoje a forma de garantir o mínimo de qualidade dos profissionais
que vão servir à sociedade.”

Outras categorias também reagiram. “Sob o manto da liberdade e estímulos econômicos, da racionalização do Estado, bandeiras que também defendemos, [o governo Bolsonaro] quer acabar com um segmento social que tem procuração do Estado para proteger o cidadão. Não é aceitável sequer acreditar que, desregulamentando profissões, o Estado ou o mercado darão conta de conter os abusos cometidos por leigos e uns poucos maus profissionais e empresas contra a população brasileira. Os noticiários informam diariamente o quanto, de maneira geral, o mercado atua para favorecer os próprios interesses”, defendeu o Conselho Federal de Administração (CFA).

Fonte: com informações do Senge-RJ, FisengeRede Brasil Atual (RBA)

Foto: Camila Marins

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