Um mês de Brumadinho: “Nesse tipo de ruptura, não há como negar que a água teve um papel preponderante”, afirma engenheiro

Um mês de Brumadinho: “Nesse tipo de ruptura, não há como negar que a água teve um papel preponderante”, afirma engenheiro

Hoje, 25 de fevereiro, é completado um mês do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, operada pela empresa privada Vale, em Brumadinho, interior de Minas Gerais. O provável crime ambiental chocou o país e deixou, até o momento, 179 mortos e 134 desaparecidos, além dos animais também vitimados e dos impactos sobre a vegetação e o rio Paraopeba, um dos afluentes do São Francisco. 

Na entrevista abaixo, o professor do Instituto Federal da Bahia Jadilson Antônio Campos Magalhães, reflete sobre o desastre e especula as possíveis causas do rompimento. Jadilson é engenheiro civil, com com mestrado em engenharia civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Antes de inciar a conversa, ele destacou que não teve acesso aos dados da barragem e, por isso, as hipósetes expressas foram baseadas nas notícias veiculadas pela imprensa, um “palpite técnico”, em suas palavras. 

Para começar, o que é uma barragem?

Jadilson: Uma barragem nada mais é do que uma barreira que vai conter alguma coisa. Pode ser água, rejeitos ou outra coisa. Por exemplo, você deve conhecer a barragem de Pedra do Cavalo. É uma parede de concreto que contém a água do rio. A barragem nada mais é do que um elemento que vai ser colocado para poder suportar os esforços de empurramento do que vem atrás; porque se o quem vem atrás for lama, esgoto ou água, a tendência disso é querer empurrar o que está na frente para escoar. Então esse é um principio básico de toda barragem. No caso da barragem de rejeitos, a diferença dela é a seguinte: é que você primeiro faz uma barragem baixa – e aí você contém uma parte dos rejeitos, porque eles não sobem 40, 50 metros de vez. Ninguém faz isso dessa forma porque seria muito caro fazer uma barragem dessa maneira e não haveria a principio necessidade porque você começa colocando pouco volume de rejeitos. À medida que eles vão chegando perto da “crista”, que é a parte mais alta da barragem, é que você pensa em ampliá-la.

E como funciona uma barragem de rejeitos, que era o caso da que rompeu em Brumadinho? 

J: No caso da barragem de rejeitos, especialmente minério de ferro, o que vai para trás da barragem é uma mistura do minério com a água. Então o que vai ser contido nada mais é do que uma mistura – a gente pode chamar de lama, mas é uma mistura de minério com água. E o que acontece com esse rejeito? Você já deve ter talvez esquecido um copo de Nescau de um dia para o outro. Quando chega no dia seguinte o que é que você vê? Tem uma camada marrom embaixo e uma camada de água meio turva em cima. E o que aconteceu nesse período no copo de Nescau, que é o que acontece na natureza? Como os grãos são mais pesados do que a água, como ele está ali naquela posição, quase parado, ele sofre um processo de sedimentação ou de decantação. Os grãos mais pesados descem e se acumulam na base e em cima fica a água. A água pode ser inclusive drenada. No caso dessa barragem, foi feito um aterro para segurar esse monte de líquido e sólido que tem atrás e o material foi gradualmente se sedimentando e criando um material mais sólido. Chega um determinado tempo que você não tem mais lugar para botar lama, porque ele já está todo sedimentado. E o que você faz então? Você faz uma nova barragem em cima da barragem existente.

E a barragem de Brumadinho “à montante”, que era do tipo menos seguro…

J: Sim. Você faz essa nova barragem na mesma posição da original mas você também avança para cima daqueles sedimentos que foram depositados. E o processo vai se repetindo, vai na verdade fazendo como se fosse uma escadinha… à medida que esgotou a barragem de rejeitos você faz, ela sedimentou, você faz então você vai fazendo como se fosse uma escada de material externo sobre o material que você tinha colocado antes com um pouco de sedimento. É por isso que se chama “à montante” porque a palavra montante significa “antes”. E quando você fala “à jusante” significa “depois”. Comparando com a barragem de Pedra do Cavalo, embora ela seja de outro material, de concreto, ela foi construída naquela altura e naquela espessura de baixo para cima uma única vez e ela não vai ter ampliação nem à montante nem à jusante. A diferença de uma para outra é que uma já tem o nível máximo q ela vai atender. E quando você fala de mineração não tem nível máximo, ele vai depender de vários fatores. 

E como prevenir que essa barragem venha a se romper?

J: O que é que resiste ao peso da água, ao empuxo? Que é uma força horizontal que vai empurrar a barragem? É como se você estivesse empurrando uma carteira. Quando você empurra uma carteira que não tem nada em cima dela você faz isso com uma certa facilidade. Porque a carteira tem 4 pés e o que resiste ao empurramento é uma força de atrito. Mas se você começar a botar livros em cima dessa cadeira você vai ter maior dificuldade,  como o peso vai aumentando o atrito será proporcional ao peso. E aí, em tese, quanto mais alta a barragem, melhor porque mais peso de terra você tem. O peso exerce uma força horizontal porque a tendência da barragem, primeiramente é ser empurrada pelo que está atrás dela, quer seja água, seja lama ou esgoto. E a segunda tendência da barragem é girar em relação a um ponto como você tem em uma porta que você gira em direção à dobradiça. Pense numa porta com uma dobradiça na horizontal, é como se houvesse a tendência de você abrir a porta e ela girar. Então são esses dois esforços que atuam simultaneamente numa barragem. Então você tem que calcular e verificar se o atrito que é criado lá embaixo é maior do que o esforço de empurramento do que vem atrás e isso tem um número. E você também tem que verificar se a tendência de giro dessa barragem é compensada pelo peso dessa barragem gerando uma tendência de giro no sentido contrário. são esses dois movimentos que fazem o estudo das contenções, e uma barragem nada mais é do que um elemento de contenção, de impedimento de movimentação do que está atrás.

Quais os problemas que podem interferir nessa contenção?

J: Um deles é o seguinte: como você tem um líquido atrás da barragem, qual é a tendência desse líquido? É que ele se infiltre por essa barragem de terra. então para você monitorar o quanto que essa água vai se infiltrar e para evitar que essa água se infiltre e atinja alturas grandes – porque pode se gerar com a infiltração da água alguns esforços nocivos; por exemplo, o primeiro efeito da água é reduzir o atrito. Se você estiver andando no granito descalça e molhar o granito sua tendência de escorregar vai ser muito maior porque o atrito se reduz. Então a situação acontece da mesma maneira se você estiver no interior do solo. Quanto mais água você tem, menor é a resistência ao atrito. E outra coisa que a água pode fazer é que se ela se infiltra  e jorra na face anterior da barragem, aí vai estar saindo água, como se fosse uma fonte, e juntamente com essa água vai sair também solo. E se sai água e solo você vai criando um buraco dentro da barragem. É mais ou menos um processo como acontece com cavernas. As cavernas, na verdade, só existem no interior do solo porque em algum momento a água foi removendo aquilo que estava ali e aí ficou um buraco. Então a água pode abrir uma fundação e a barragem rompe porque, evidentemente, aquele buraco ali não tem resistência nenhuma. Esse processo tem um nome em inglês, chamado piping, que foi a primeira coisa que eu imaginei quando eu vi o rompimento de Brumadinho.

Então, para evitar isso você tem que verificar o nível da água, porque se a água está lá em cima, ela pode sair. Como é que se evita isso? normalmente se faz umas coisas chamadas filtros que ficam no pé da barragem exatamente para que a água, se eventualmente infiltrar, ela desça e não saia por um ponto indesejado, saia por um ponto controlado. Outro problema é o seguinte: a água pode entrar na barragem e ter um fluxo ascendente – um fluxo para cima. Aí pode acontecer um fenômeno chamado liquefação que é transformar aquilo que é sólido numa coisa, não digo exatamente liquida… é como areia movediça num filme… A água empurra para cima, o peso do material reduz e quando esse peso se reduz isso pode “virar” líquido. O que se faz então para evitar, ou se isso acontecer você ter tempo de corrigir? Você coloca no corpo da barragem, em vários pontos localizados, alguns medidores do nível de água. E esses medidores nada mais são do que tubos enfiados no corpo da barragem, tubos furados, perfurados, para que a água possa subir e assim você saber que nível ela atingiu. O nome disso é piezômetro. Lá em Brumadinho tinham vários piezômetros e eu li que alguns não estavam funcionando.

Então você acredita que a questão do nível da água foi central para o rompimento da barragem? 

J: Nesse tipo de ruptura, total, não há como negar que a água teve um papel preponderante. Se o nível de água não tivesse alto – quer seja para reduzir o atrito, quer seja para provocar essa liquefação, não teria sido daquela forma. E essa é exatamente a hipótese que eu levanto  quando 
eu ouço o pessoal dizer que não estavam funcionando alguns medidores de nível de água. Aí vem a segunda pergunta: por que  que eles não funcionaram? Uma possível hipóteses é a seguinte: como nesses rejeitos também tem sílica, é possível que de alguma forma – já existem na literatura alguns exemplos disso – o filtro começou a ser entupido gradualmente e ele deixou de funcionar a contento. Ainda passava água, mas quantidade era muito menor do que a que precisava sair. Muito provavelmente esse filtro estava sendo monitorado, mas o funcionamento dele possivelmente não estava adequado, não estava deixando escoar a água corretamente. E como foi uma ruptura geral, a impressão que me dá é que o nível de água chegou a uma posição tal que pode ter provocado uma coisa – a redução do atrito e com isso romper por inteiro – pode ter provocado a liquefação e com isso ela também romperia, e podem ter acontecido simultaneamente os dois fenômenos. Mas de qualquer sorte, o que me parece lógico de concluir é que a água foi o fator preponderante no sentido de provocar esse rompimento catastrófico. Rompeu muito rapidamente, o que não é comum. 

Foto: EBC

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