A Casa Grande e a Senzala: segregação urbana em Salvador

A Casa Grande e a Senzala: segregação urbana em Salvador

Na contramão do direito à cidade e dos princípios da reforma urbana, as cidades brasileiras têm vivido um processo de estruturação urbana adversa nos últimos anos, resultado da restruturação produtiva, da hegemonia do capital financeiro e da difusão das ideias neoliberais. É o que aponta o artigo “A Casa Grande a Senzala: segregação, efeito território e desigualdades em Salvador”, de Inaiá Moreira de Carvalho, publicado no site do Le Monde Diplomatique Brasil. Apesar de a segregação urbana na capital baiana se consolidar na década de 1960 com a sua modernização; verifica-se a partir do século XXI o fenômeno do empreendedorismo urbano e da coalizão de interesses econômicos pautando o planejamento urbano estatal, resultando no agravamento das desigualdades. Salvador é o exemplo da destinação do investimento público para a parte “nobre” da cidade vinculado aos interesses do capital imobiliário; enquanto as aglomerações populares ficam praticamente entregues à própria sorte.

O artigo “A Casa Grande a Senzala: segregação, efeito território e desigualdades em Salvador”, da socióloga e profª Inaiá Moreira de Carvalho (UFBA) é mais uma texto da série “O Direito à Cidade em tempos de crise”, parceria da Rede INCT Observatório das Metrópoles com o Jornal Le Monde Diplomatique Brasil. A série tem como objetivo monitorar os avanços e conquistas na afirmação do direito à cidade no Brasil, denunciar retrocessos e apontar tendências para o futuro das cidades brasileiras.

Segundo Inaiá Moreira de Carvalho, mesmo após a conjuntura econômica favorável que caracterizou nacionalmente a primeira década deste novo século, com uma queda do desemprego, um crescimento do emprego formal e uma relativa recuperação dos ganhos dos trabalhadores, foi constatado pelo Censo de 2010 que Salvador possuía 17,6% de empregados sem registro formal e 18,7% de ocupados por conta própria, na sua grande maioria em atividades precárias e de baixa remuneração; os serviços domésticos respondiam isoladamente por cerca de 9,1% da ocupação e os postos melhor pagos eram em número mais reduzido, uma vez que 39,4% dos ocupados percebiam um rendimento mensal de até um salário mínimo (considerando a soma de todos os trabalhos), 68,9% de até dois salários mínimos e apenas 6,4% de dez salários ou mais.

Com a crise dos últimos anos esse panorama se tornou ainda mais adverso, com o desemprego, por exemplo, chegando a 20% da população e afetando especialmente os jovens, os negros, as mulheres, os menos escolarizados e os moradores dos bairros populares e periféricos, uma vez que as oportunidades e as condições de vida dos moradores também estão associadas aos padrões de apropriação diferencial do espaço urbano e aos processos de segregação.

“No caso de Salvador essa apropriação vai se conformar e consolidar a partir dos anos 1960 com a expansão e modernização da cidade, quando o seu desenvolvimento se orientou em torno de três grandes vetores: a Orla Marítima Norte, o Miolo e o Subúrbio Ferroviário, no litoral da Baía de Todos os Santos. O primeiro constitui a área ‘nobre’ de Salvador, onde se concentram os brancos, a população de alta e média renda, os investimentos públicos, os equipamentos e serviços urbanos, as atrações turísticas, os interesses do capital imobiliário e as oportunidades de trabalho e renda, ainda que elas persistam relevantes no centro tradicional.

O segundo, que tem esse nome pela sua localização no centro geográfico do município, começou a ser ocupado por conjuntos habitacionais construídos para a ‘classe média baixa’ pelo BNH e teve a sua expansão continuada por loteamentos populares e ocupações irregulares, onde reside uma população predominantemente negra e pobre. Com uma composição social similar, o Subúrbio Ferroviário teve a sua origem associada historicamente à implantação de uma linha férrea, expandindo-se posteriormente através de loteamentos e ocupações de baixa renda, assim como pela transferência efetuada pela Prefeitura de moradores de ocupações erradicadas da parte ‘nobre’ da cidade para essa área. Assim ela se transformou em um espaço bastante problemático, marcado pela precariedade habitacional, pela carência de infraestrutura e serviços básicos, pela pobreza e, mais recentemente, pelos altos índices de violência”, aponta a autora.

De acordo ainda com Inaiá Moreira de Carvalho, ao lado de alguns bairros populares mais antigos e centrais, a Orla, o Miolo e o Subúrbio configuram o que poderia ser qualificado como uma “cidade” formal, mais rica e moderna e uma “cidade” informal, pobre e precária, assemelhando-se, como foi visto, à casa grande e à senzala. “Com essa divisão, as condições e desigualdades entre essas diferentes ‘cidades’ terminam se traduzindo no que diversos autores denominam como ‘efeito território’, ‘efeito vizinhança’ ou ‘efeito bairro’, ou seja, como os benefícios ou prejuízos sócio econômicos que afetam os diversos grupos sociais em função de sua localização no espaço da cidade e da sua segregação”, explica a professora.

Leia o artigo completo “A Casa Grande a Senzala: segregação, efeito território e desigualdades em Salvador” no site do Le Monde Diplomatique Brasil.

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