Em carta, engenheiros da Petrobras denunciam entrega do petróleo brasileiro

Em carta, engenheiros da Petrobras denunciam entrega do petróleo brasileiro

São importados cerca de 500 mil barris de derivados de petróleo por dia, a maior parte produzida nos Estados Unidos”, denuncia a carta assinada pelo presidente da Aepet, Felipe Coutinho

Em carta aberta, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás denuncia o modelo implantando no Brasil em 2016, em que o país passou a exportar o óleo cru e importar derivados dos Estados Unidos. “Enquanto se exporta o petróleo cru do Brasil, o país importa cada vez mais seus produtos refinados. São importados cerca de 500 mil barris de derivados de petróleo por dia, a maior parte produzida nos Estados Unidos”, aponta um trecho da carta. 

Leia a íntegra:

AEPET 021/19
Rio de Janeiro, 08 de outubro de 2019

Ilmo. Sr.
Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás
Eduardo Bacellar Leal Ferreira
Av. Henrique Valadares, 28, Torre A/19º andar
Nesta

Assunto: Plano Estratégico da Petrobrás

Prezado Presidente,

Trazemos para a consideração deste Conselho, os seguintes dados e informações:

O petróleo do Brasil tem sido exportado em volumes recordes, cerca de 1,2 milhões de barris de petróleo por dia, volume equivalente a 45% da produção de petróleo cru no país.

Existe relação entre o consumo de energia, o crescimento econômico e o desenvolvimento humano. O consumo per capita de energia no Brasil é muito baixo, quase seis vezes menor em relação aos Estados Unidos e quase cinco em relação a Noruega. No entanto, quase metade do petróleo produzido no Brasil não tem sido consumido no país, está sendo exportado, em grande medida por multinacionais estrangeiras.

Enquanto se exporta o petróleo cru do Brasil, o país importa cada vez mais seus produtos refinados. São importados cerca de 500 mil barris de derivados de petróleo por dia, a maior parte produzida nos Estados Unidos.

2) A política de preços da Petrobrás, desde 2016, é de paridade em relação aos preços dos combustíveis importados. A prática de preços mais altos que os custos de importação tem viabilizado a lucratividade da cadeia de importação e a competitividade dos combustíveis importados, em especial dos Estados Unidos.

O combustível brasileiro mais caro perde mercado para o importado, o que resulta na ociosidade das refinarias da Petrobrás, em até um quarto da sua capacidade.

O consumidor brasileiro paga preços vinculados ao petróleo no mercado internacional e à cotação do dólar, além dos custos estimados de importação, apesar do petróleo ser produzido no Brasil e de haver capacidade de refiná-lo no país, enquanto isso a Petrobrás perde mercado.

De janeiro a julho de 2019, 82% do diesel importado pelo Brasil foi produzido nos Estados Unidos. Da gasolina 71% e do etanol – que ocupa o mercado da gasolina – 94%.

Nenhum país se desenvolveu exportando petróleo cru por multinacionais estrangeiras e importando produtos refinados.

3) Matriz energética mundial revela a importância dos fósseis

As fontes primárias de origem fóssil – carvão, petróleo e gás natural – responderam por 80,2% da demanda total em 2000. Em 2017, a participação dos fósseis se elevou para 80,8%.

A participação das energias de origem fóssil na demanda de energia mundial se manteve estável nos últimos 25 anos. É improvável que percam importância relativa nas próximas décadas, considerando sua qualidade (flexibilidade, facilidade de uso, densidade energética e confiabilidade) e quantidade (disponibilidade), em comparação com as demais fontes primárias de energia.

Figura 1: Consumo por fonte de energia primária mundial (2017) (IEA, 2019)

4) Elevação da produção de petróleo por multinacionais estrangeiras

A elevação da exportação do petróleo cru brasileiro, com o aumento da importação dos produtos refinados e da ociosidade das refinarias da Petrobrás, foi acompanhada da elevação da produção de petróleo do Brasil por multinacionais privadas e estatais estrangeiras.

Em maio de 2019, a Petrobrás, na condição de empresa concessionária, foi responsável por 75,15% da produção nacional de petróleo e gás natural, alcançando 2,61 milhões bep/d. A Shell/BG Brasil, com a produção de 427 mil bep/d, que representa 12,29% do total nacional, classificou-se como a 2ª em produção. A 3ª empresa concessionária com maior produção foi a Petrogal Brasil, tendo obtido 3,36% da produção do País, com média de 117 mil bep/d. A Repsol Sinopec foi responsável por 2,62% da produção nacional, sendo a 4ª concessionária com maior produção, obtendo 91 mil bep/d. A Equinor Energy, como a 5ª maior concessionária, produziu 1,47%, com 51 mil bep/d e a Equinor Brasil, como a 6ª produtora, atingiu 1,15% da produção, com 40 mil bep/d. As demais concessionárias alcançaram a parcela de 3,96% da produção nacional, com o volume de 137,4 mil bep/d.

Em termos absolutos e relativos cresce a desnacionalização da produção do petróleo brasileiro.

Uma típica colônia extrativa e primário exportadora fornece matérias primas a países estrangeiros, sem agregar valor, e importa produtos, tecnologias e serviços valorizados.

Em maio de 2019, foi exportado petróleo cru do Brasil para os seguintes países: China (51%), EUA (21%), Uruguai (6%), Chile (5%), Espanha (4%) e outros (13%).

5) Elevação da importação combustíveis produzidos nos Estados Unidos

Em 2015, o diesel produzido nos Estados Unidos representou 41% do total de 16200 toneladas por dia importado pelo Brasil.

Em 2019, de janeiro a julho, a fração do diesel importado dos Estados Unidos se elevou para 82% do total importado que alcançou 25561 toneladas por dia.

Em 2015, a gasolina produzida nos Estados Unidos representou 23% do total de 5020 toneladas por dia importadas pelo Brasil.

Em 2019, de janeiro a julho, a fração da gasolina importada dos Estados Unidos se elevou para 71% do total importado que se elevou para 9874 toneladas por dia.

A política de preços paritários aos de importação (PPI), responsável pela elevação dos preços dos derivados produzidos no Brasil, a redução da sua competitividade e a consequente ociosidade das refinarias da Petrobrás reduziu tanto a produção quanto a competitividade da gasolina em relação ao etanol produzido no Brasil e importado.

A Petrobrás perde com a redução da sua participação no mercado. O consumidor paga mais caro, desnecessariamente, com o alinhamento aos preços internacionais do petróleo e à cotação do câmbio.

Em 2014, foram produzidos quase 50 milhões de metros cúbicos de diesel no Brasil. A produção nacional de diesel foi reduzida em 16%, para menos de 42 milhões de metros cúbicos em 2018.

A Petrobrás pode praticar preços inferiores aos paritários de importação (PPI) e obter melhores resultados empresarias, com a recuperação da sua participação no mercado brasileiro e a maior utilização da sua capacidade instalada de refino.

Somente a Petrobrás consegue suprir o mercado doméstico de derivados com preços abaixo do paritário de importação e, ainda assim, obter resultados compatíveis com a indústria internacional e sustentar elevados investimentos que contribuem para o desenvolvimento nacional.

No entanto, a política de preços dos combustíveis e a privatização das refinarias pode impedir que a Petrobrás exerça seu potencial competitivo para se fortalecer e impulsionar a economia nacional com seu abastecimento aos menores custos possíveis.

6) Aceleração dos leilões de petróleo promove o ciclo extrativo e primário exportador do tipo colonial

Com relação a exploração e produção do pré-sal deve ser considerada a velocidade dos leilões sob o regime de partilha e o volume de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo (bep) no qual a Petrobrás opera sob o regime da Cessão Onerosa.

Com o 1º leilão da partilha e a Cessão Onerosa, a Petrobrás detinha 60% das reservas recuperáveis sob estes dois regimes. As multinacionais estrangeiras privadas (Shell e Total) alcançavam 26,7% e as empresas estatais chinesas 13,3% de um total estimado em 15 bilhões de barris equivalentes de petróleo (bep).

Nos quatro leilões de partilha seguintes, as multinacionais privadas, International Oil Companies (IOCs), aumentaram significativamente suas reservas no pré-sal. Neste período, a Petrobrás garantiu acesso à apenas 17,4% do volume leiloado. Sendo o restante do volume distribuído da seguinte forma: empresas estrangeiras privadas (Shell, BP, Total, ExxonMobil, Chevron e Petrogal) alcançaram 54,7%, a estatal norueguesa (Equinor, ex Statoil) ficou com 10,9%, as estatais chinesas com 9,8%, a estatal colombiana 4,1% e a estatal do Catar 3,0% do volume total estimado (e riscado) como recuperável de 12,21 bilhões bep.

Considerando os cinco leilões e a Cessão Onerosa, a Petrobrás tem 41%, enquanto as empresas estrangeiras, privadas e estatais, têm acesso a 59% do total volume recuperável estimado de 27,21 bilhões de bep.

O volume recuperável estimado, cedido onerosamente para a Petrobrás somado aos concedidos nos cinco primeiros leilões de partilha, alcança cerca de 27 bilhões de barris de petróleo equivalente. Este volume, comparado com as reservas nacionais provadas, representa a 15ª maior reserva internacional. Mais do que duas vezes maior do que a atual reserva provada do Brasil (13,0 bilhões bep) e da Argélia (12,2), mais do que três vezes maior que as reservas de Angola (8,3), Equador (8,3), México (7,3) e Azerbaijão (7,0) e mais do que quatro vezes a reserva provada da Noruega (6,6).

7) Novos leilões de partilha: Excedente da Cessão Onerosa e 6ª rodada

Apesar do expressivo volume do pré-sal já concedido por meio da Cessão Onerosa e das cinco primeiras rodadas de partilha, estimado em mais de 27 bilhões de barris (bep), e da corrente exportação de mais de um milhão de barris por dia, o governo federal planeja realizar ainda em 2019 o leilão do Excedente da Cessão Onerosa e a 6ª rodada de partilha do pré-sal.

Estima-se que o volume recuperável no Excedente da Cessão Onerosa possa alcançar até 15 bilhões de barris de petróleo equivalente. Estamos diante da aceleração do ciclo primário exportador do petróleo brasileiro.

Para justificar o ciclo extrativo e primário exportador do petróleo brasileiro foi criado o mito da Petrobrás quebrada, a falácia da necessidade da privatização de ativos para redução da dívida e a lenda do petróleo que brevemente se tornaria um mico (sem valor)

8) Maiores petrolíferas são estatais

As estatais já são 19, entre as 25 maiores empresas de petróleo e gás natural, controlando 90% das reservas e 75% das produções mundiais.

As vendas de ativos da Petrobrás não se justificam pela redução do endividamento e estão em contradição com o aumento da integração vertical e da internacionalização das companhias de petróleo, inclusive as estatais.

O governo federal não dispõe de uma política para o controle da produção e da exportação de petróleo. Não conhece todo o potencial de reservas do pré-sal, mas apressa leilões de áreas que podem conter dezenas de bilhões de barris de petróleo, apenas para cobrir déficits fiscais. Esta política poderá levar ao esgotamento prematuro das reservas nacionais.

É necessário investir na delimitação de jazidas e na definição das reservas do pré-sal, como condição para definir a extensão das concessões. O petróleo produzido deve ser direcionado, prioritariamente, para o uso interno e para a produção de derivados pelo parque de refino nacional. A exportação deve ser residual.

O objetivo do planejamento da produção deve ser a segurança energética nacional e o abastecimento aos menores custos possíveis.

A natureza e o trabalho de gerações de brasileiros nos deram a grande oportunidade que é o petróleo do pré-sal. Precisamos ser capazes de empreender um projeto soberano para, desta vez, usar as riquezas naturais brasileiras em benefício da maioria da população.

É do nosso entendimento que os dados e informações apresentados devem ser levados em consideração para que a Petrobrás volte a ter como objetivo estratégico o abastecimento do País, aos menores custos possíveis para a população, garantindo os recursos para os investimentos necessários do setor.

Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)

Anexo: Brasil e o ciclo extrativo do petróleo – Nova colônia em pleno século 21
Felipe Coutinho, setembro de 2019

C.C: Conselho de Administração da Petrobrás
Roberto da Cunha Castello Branco; Ana Lúcia Poças Zambelli; Clarissa de Araújo Lins; João Cox; Nivio Ziviani; Walter Mendes de Oliveira; Danilo Ferreira da Silva; Marcelo Mesquita de Siqueira Filho; Sônia Júlia Sulzbeck Villalobos

Fonte: CUT / Escrito por Brasil 247

FOTO: TANIA REGÔ/AGÊNCIA BRASIL

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