Não façam algazarra! Trabalhem!

Não façam algazarra! Trabalhem!

Wladimir Pomar

Nestes quase 500 anos desde o início da colonização sobre a terra brasileira, é impressionante como certas situações se repetem. Certamente, na época do escambo, os lusitanos reclamavam da algazarra dos índios e de sua lentidão no corte do pau-brasil. A reclamação tornou-se ordem quando, por volta de 1530, o monopólio mercantil começou a explorar o território e seus habitantes para a produção da cana e do açucar.

            Até hoje há quem justifique o assassinato em massa dos indígenas porque eles resistiram à ordem de trabalhar e não fazer algazarra. A reação rebelde a esse tipo de ordem serviu de pretexto para a tortura e massacre dos escravos nos canaviais e minas coloniais, o enforcamento e esquartejamento de Tiradentes e o degredo de seus companheiros, a queima em cal virgem dos independentistas de Belém do Pará, o esmagamento dos balaios, cabanos e praieiros e a degola dos místicos de Canudos e do Contestado.
            Foi com frases idênticas que os governos da República Velha reprimiram as greves operárias e os movimentos por direitos democráticos, que os liberais de 30 implantaram o Estado Novo e que os militares impuseram a ditadura em 1964 e a agravaram de 1968 em diante. As piores repressões da história brasileira (e de outras histórias) sempre tiveram como justificativa a necessidade de acabar com a algazarra e aumentar o trabalho.
            Não deixa de ser uma síndrome de dominado que boa parte da esquerda acredite que as repressões de direita só existam porque o populacho ou minorias extremadas se excederam. Ainda há quem jure que a ditadura militar no Brasil só foi instaurada por causa da irresponsabilidade de alguns radicais, e não por necessidade imperiosa do projeto de modernização conservadora do capital monopolista.
            Embora arrotar uma força que não corresponda a uma real mobilização social possa até servir de pretexto para as repressões da direita, o problema não é esse. O problema consiste em que somente com grande força social, como as greves do ABC e o movimento das Diretas, no final dos anos 70 e nos anos 80, alcunhadas de algazarra pela direita, é possível resistir com sucesso à opressão, dar fim à ditadura ou impedir a direita de impor o seu garrote.
            Não tem sido a resistência a causa da repressão. A pequena força social da resistência popular é que, na história brasileira, tem sido a causa do sucesso da repressão. Por isso, quando FHC repete o refrão “Não façam algazarra! Trabalhem!”, diante de manifestações populares, seria conveniente desconfiar de suas intenções e aumentar ainda mais as mobilizações. Sem estas, se não for oferecido qualquer pretexto à direita, ela forjará algum para justificar sua própria solução ditatorial para a crise brasileira.
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